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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Aniversário de Eugénio de Andrade

Eugénio de Andrade (n. 19-01-1923 ― m. 13/06/2005), pseudónimo de José Frontinhas Neto, nasceu na Póvoa de Atalaia, pequena aldeia da Beira Baixa. Em Lisboa, onde fez os seus estudos liceais, descobriu a vocação poética, tendo publicado, em 1940,  Narciso, o seu primeiro volume de poemas. A este se seguiram cerca de meia centena de volumes de poesia e prosa. Exerceu  durante trinta e cinco anos funções de inspector administrativo do Ministério da Saúde. A partir de 1950 e por razões de serviço passou a residir no Porto, cidade que adoptou desde então para viver e da qual foi cidadão honorário e onde viria a morrer aos 82 anos.
Poeta consagrado, um dos mais importantes do século XX português ― internacionalmente reconhecido e premiado ― não se limitou, porém, à poesia, tendo escrito ensaios, livros infantis, organizado e prefaciado inúmeras antologias e traduzido para português obras vários escritores estrangeiros, nomeadamente,  Frederico Garcia Lorca, José Luís Borges e René Char.  Também colaborou em numerosas publicações, com destaque para Cadernos de Literatura Colóquio e Colóquio-LetrasMundo Literário, Vértice  e Seara Nova.
Em Portugal, para além do Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, do Prémio de Poesia do Pen Clube Português, e outros, Eugénio de Andrade teve a sua vida literária, de mais de sessenta anos, reconhecida, em 2001, com o Prémio Camões, o mais importante galardão atribuído a autores de língua portuguesa. 

Também no estrangeiro, recebeu a Medalha da cidade de Bordéus e a Medalha da Universidade Michel de Montagne da mesma cidade. Foi membro da Academia Mallarmé (Paris), membro fundador da Academia Internacional ‘Mihai Eminescu’ (Roménia) e da Academia Mondiale della Poesia.
O poeta da luz meridional e da terra, dos corpos e do desejo, da cal e do lume foi ainda agraciado pelo Governo português com o Grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada e a Grã-Cruz da Ordem do Mérito.

 Maria Teresa Sampaio
Eugénio de Andrade por Carlos Carneiro

Urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer

Eugénio de Andrade
In Até Amanhã
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Foi para ti que criei as rosas

Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rãs rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.

Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
Um corpo aberto como os animais
  
Eugénio de Andrade
In As Mãos e os Frutos
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Juventude

Sim, eu conheço, eu amo ainda
esse rumor abrindo, luz molhada,
rosa branca. Não, não é solidão,
nem frio, nem boca aprisionada.
Não é pedra nem espessura.
É juventude. Juventude ou claridade.
É um azul puríssimo, propagado,
isento de peso e crueldade.

Eugénio de Andrade
In Até Amanhã 
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Procuro-te
              
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre – procuro-te.

Eugénio de Andrade
In As Palavras Interditas






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