O dia 30 de Novembro de 1935
marcou o fim da vida de Fernando Pessoa e de todos os outros em que se
manifestava.
Escreveu tanto e tão
diversamente, que ainda hoje os investigadores descobrem textos seus. E, no
entanto, a “Mensagem” foi o único livro publicado enquanto viveu. Partiu aos 47
anos quando já nada mais esperava da vida. A infância era o seu paraíso perdido
e a mãe, eterna âncora, que ele amava mais do que tudo na vida, nunca o
compreendeu. Ofélia foi a amada possível, que teria de abandonar porque a sua
vida era guiada por Mestres oclusos e tudo na vida girava em torno da sua obra
literária. Para a concretizar precisava de sossego e de isolamento. Isso mesmo
escreveu a Ofélia.
“Era um poeta animado pela
filosofia, não um filósofo com faculdades poéticas. Adorava admirar a beleza
das coisas, descortinar no imperceptível e através do muito pequeno, a alma
poética do universo.”
Para ele “ a poesia é assombro
admiração, como de um ser caído dos céus que toma plena consciência da sua
queda, espantado com o que vê”.(1)
Tornou-se infinito na obra
imensa que deixou e no pensamento que ainda hoje é estudado. Era tão imenso e
tão profundo que não cabia em si. Tinha de se outrar em tantos heterónimos e
figuras literárias, quantos a sua imaginação criara. Insubordinador de
espíritos, criador de paradoxos e de enigmas, foi Alberto Caeiro, Ricardo Reis,
Álvaro de Campos e Bernardo Soares, entre outros, mas neles todos foi ele
mesmo.
Veio antes do seu tempo e dos
seus pares e atingiu os cumes onde apenas teve por companhia a solidão.
Deixou-nos um lamento, que era
mais um grito de alma: “ Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia,
num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com
louvor, terei enfim a gente que me «compreenda», os meus, a família verdadeira
para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já
morrido há muito. Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não
compense a quem morreu a só desafeição que teve, quando vivo. Um dia talvez
compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de
uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na
minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e
friezas, e que é pena que tal me acontecesse. (2)
Tornou-se o escritor português
mais traduzido no mundo e o seu “Livro do Desassossego”, paradoxalmente em
prosa e um não livro, porque fragmentário, é o best seller da sua obra.
Fernando Pessoa passou e ficou
“como o universo.”
…
Maria Teresa Sampaio
(1) In: Obra Essencial de
Fernando Pessoa.Prosa Íntima e de Autoconhecimento. Edição Richard Zenith,
Assírio & Alvim, Abril 2007
(2) In Fernando Pessoa. O Livro
do Desassossego, Edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim. Trecho 191.
Pessoa num desenho de Almada Negreiros, executado
em 30-11-1935, no regresso do cemitério.