Publicação em destaque

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

UM QUADRO COM HISTÓRIA - "GUERNICA", de PABLO PICASSO.


Guernica é uma cidade basca, na província de Biscaia, que, às 6:30 horas da manhã de 2.ª feira,  26 de Abril de 1937, durante a Guerra Civil de Espanha, foi bombardeada durante quase duas horas e arrasada pela força aérea de Hitler (Luftwaffe – Legião Condor), que apoiava as forças nacionalistas de Franco. A atrocidade dos atos então cometidos impulsionaram Pablo Picasso a pintar esta obra que, para sempre, ficaria como um libelo vibrante contra os horrores da guerra.
Foi este o painel que o artista pintou em resposta a uma encomenda que lhe tinha sido feita pelo Governo Republicano, a fim de figurar na Feira Mundial de Paris, [Exposition Internationale des Arts et Techniques dans la Vie Moderne ], em 1937.
A residir, então, na capital francesa, Picasso tomou conhecimento, pelos ecos da comunicação social, do horror da intervenção alemã e franquista. A inspiração não podia ser outra, embora outros esboços tivessem sido previamente experimentados. Para lá de uma posição política esta obra é, muito mais, uma demonstração do poder da arte manifestar um protesto contra a violência, o caos e a morte que resultam da guerra.
Diversas são as interpretações que continuam a ser dadas a todos os elementos que fazem parte desta pintura a preto, branco e cinzento. Picasso recusou-se sempre a revelar qualquer sentido oculto. Pressionado a explicar o que representavam o boi e o cavalo, disse: ... “este boi é um boi e o cavalo é um cavalo… Se derem um significado a certas coisas nas minhas pinturas pode ser verdade, mas não é ideia minha dar-lhe esse significado.” Porém, em “O Sonho e a Mentira de Francisco Franco”, também de 1937 embora anterior à Guernica, Picasso satiriza o ditador numa série de desenhos, representando-o como um monstro que devora o seu próprio cavalo e depois luta com um touro enraivecido.
Ao trabalhar no mural, Picasso disse: " A Guerra de Espanha é a luta da reação contra o povo. Toda a minha vida como artista tem sido uma luta contínua contra a reação e a morte da arte. Como pôde alguém pensar por um momento que eu estivesse de acordo com a reação e a morte?... No painel em que estou a trabalhar, a que chamarei “Guernica” e em todos os meus recentes trabalhos, claramente exprimo a minha aversão à casta militar que afundou a Espanha num oceano de dor e morte.”
À entrada do pavilhão espanhol na Feira Internacional de Paris, onde a “Guernica” foi pela primeira vez apresentada, estava um enorme painel fotográfico dos soldados republicanos, onde se podia ler:
“Lutamos pela unidade essencial de Espanha.
Lutamos pela integridade do solo espanhol.
Lutamos pela independência do nosso país e pelo direito do povo espanhol escolher o seu destino.

A exibição de “Guernica” era acompanhada por um poema de Paul Éluard.
Depois de Paris, esta obra maior da arte universal percorreu vários países do mundo, em toda a parte sendo recebida como um louvor à Paz e uma veemente denúncia da violência e da guerra.


LA VICTOIRE DE GUERNICA

I

Beau monde des masures
De la nuit et des champs

II

Visages bons au feu visages bons au fond
Aux refus à la nuit aux injures aux coups

III

Visages bons à tout
Voici le vide qui vous fixe
Votre mort va servir d'exemple

IV

La mort coeur renversé

V

Ils vous ont fait payer le pain
Le ciel la terre l'eau le sommeil
Et la misère
De votre vie

VI

Ils disaient désirer la bonne intelligence
Ils rationnaient les forts jugeaient les fous
Faisaient l'aumône partageaient un sou en deux
Ils saluaient les cadavres
Ils s'accablaient de politesses

VII

Ils persévèrent ils exagèrent ils ne sont pas de notre monde
VIII

Les femmes les enfants ont le même trésor
De feuilles vertes de printemps et de lait pur
Et de durée
Dans leurs yeux purs

IX

Les femmes les enfants ont le même trésor
Dans les yeux
Les hommes le défendent comme ils peuvent

X

Les femmes les enfants ont les mêmes roses rouges
Dans les yeux
Chacun montre son sang

XI

La peur et le courage de vivre et de mourir
La mort si difficile et si facile

XII

Hommes pour qui ce trésor fut chanté
Hommes pour qui ce trésor fut gâché

XIII

Hommes réels pour qui le désespoir
Alimente le feu dévorant de l'espoir
Ouvrons ensemble le dernier bourgeon de l'avenir

XIV

Parias la mort la terre et la hideur
De nos ennemis ont la couleur
Monotone de notre nuit
Nous en aurons raison.

Paul Eluard, Cours naturel, 1938


Guernica
Pablo Picasso
1937
Pintura a óleo
3,49m. x 7,76m.
Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madrid.


Dezembro de 2014
mts

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Devagar


Devagar amor. Deixa o fogo penetrar lentamente
o leito húmido e suave do meu ser.
Não distraias o olhar senão no meu corpo.
Não fales. Ou melhor, murmura-me ao ouvido
aquilo que eu já sei mas tanto gosto de ouvir.
Não percas as tuas mãos em gestos inúteis,
deixa-as atear o lume deste tempo sem limites.
Devagar amor. Poisa as pétalas dos teus lábios
nos meus olhos guardadores de todos os astros
e vem mais lentamente ainda abrigar-te,
repousar à sombra do meu cansaço de criança feliz.
Devagar amor. Não vás deixar apagar as brasas.
Não suporto cinzas nem palavras sem sentido,
nem gestos bolorentos, nem um até amanhã displicente
como se a noite tivesse acabado
ao romper breve da madrugada.
Deixa-te estar imerso na minha ilha
e vem descobrir a música do silêncio
que eu compus para ti
com a cumplicidade de milhões de violinos
escondidos nas estrelas.



Teresa Sampaio

"Lovers" by Yves Pires.France