Publicação em destaque

domingo, 31 de dezembro de 2017

Passagem de ano

É a surpresa a envolver cada amanhã,
como novelo embrulhado pelo tempo,
que nos atrai para novas marés de sonhos
e renovados desejos desde sempre bordados
com mãos-cheias de boas intenções.
Contam-se os dias para o final de cada ano
com a ansiedade de quem quer saltar
fronteiras e do lado de lá descobrir
um mundo melhor, num ímpeto de boa vontade.
Como crianças grandes queremos sempre
mais amor, saúde, paz, prosperidade, justiça, sucesso
e sempre tudo envolvido em muita felicidade,
imensa alegria, intenso júbilo e infinitas bênçãos.
No final tudo se repete num
circular eterno retorno. Um ano acaba
e, um segundo depois, outro começa ―alheio
à velha sabedoria do que atrás fica ―
audaz e quase pueril na incontida ânsia
de tudo fazer melhor, sem repetir erros.
Por isso Te peço a radiosa Esperança
de acreditar que tudo é possível,
mesmo quando o negrume dos dias
parece uma estrada sem fim.
Peço-Te ainda forças para suportar
tudo o que tiver de sofrer,
sem desesperar.
Dá-nos o sol dos tempos benditos
e que nós saibamos aproveitá-lo
para criar o alimento dos dias futuros,
para nos darmos as mãos fraternamente,
e amarmos sempre como quem ama
pela primeira e única vez.
...
Maria Teresa Sampaio
Picasso. Pomba da Paz.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

É Natal!

Amor, Amor imenso, profundo Amor.
Amor que é dádiva, Amor que é gratidão,
Amor solidário, responsável, companheiro, amigo.
Amor abnegado, que protege, que acompanha, que apoia,
Amor presente, que assiste, que ajuda, que ampara.
Alegria imensa, profunda. Radiosa Alegria.
O Natal é este Amor, esta Alegria.
É o nascimento de Jesus Menino.
É essa centelha de Luz e de Amor
que deixou em cada um de nós,
que vemos brilhar como a estrela do norte
no olhar puro e inocente das crianças.
São tréguas que se abrem entre
aqueles que contendem.
É Esperança radiosa como flor 
que desabrocha no meio de pedras.

É Natal!

Feliz Natal.
….
  
19 de dezembro de 2017

Maria Teresa Sampaio


 Gerard van Honthorst, Adoração dos Pastores, 1622


segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A vida não é a preto e branco

Sim, eu sei, a vida dói. Há momentos que quase nos arrastam para o abismo. Há horas em que nos sentimos fechados num quarto escuro ou numa cela de onde não conseguimos sair. Há dias com tantas nuvens que não enxergamos o sol. Falo do sol, não apenas astro, mas também luz, energia, esperança. Se não o temos dentro de nós como bússola, corremos o risco de nos perder. Pode ser apenas um ténue raio, mas esse mesmo tem um intenso poder clarificador. Podemos crer ou descrer. Olhar de frente ou virar a cara para não ver a miséria, as injustiças, os males que corroem o mundo em que vivemos. Temos essa liberdade de escolha. Mas se optarmos por não nos envolver, e se nada fizermos, somos responsáveis pelo estado da sociedade que deixamos aos nossos filhos e netos. Somos o exemplo não apenas do que pensamos, mas também do que fazemos. Por isso, somos o resultado das nossas escolhas. Não escolher é já escolher. Deixar correr sem nos envolvermos, por comodidade ou cobardia, também é uma opção. Não ligar à política é uma forma de ser político, mas absentista. Não dar nada aos outros, sejam eles da família, amigos ou estranhos, é o mais nefando egoísmo. Enfim. A vida não é a preto e branco. Existem cambiantes. De um lado não está o bem e do outro o mal, ou os bons e os maus como os americanos tanto gostam de simplificar. O que fizermos agora tem implicações amanhã. É preciso que nos consciencializemos dos nossos atos e omissões. A liberdade não é um estado puro, sem quaisquer condicionalismos.
Ser Livre custa. Mas vale a pena.
10 de dezembro de 2017 
Maria Teresa Sampaio
L'enfant au pigeon. Pablo Picasso
De felicidade, de imensa alegria, de incontida emoção se fazem certos dias.
São momentos que se vivem intensamente como eu sempre gostei de viver.
O amor realiza maravilhas, suaviza as dores, faz despontar sorrisos que se abrem em gargalhadas, lágrimas que adoçam os traços do rosto. As surpresas não perdem o efeito mágico mesmo que alguém inadvertidamente deixe escapar uma palavra reveladora.
A família é esta raiz que cresce e se fortalece bem fundo, no ventre ou na terra, para depois se transmutar nas flores e nos frutos que são os filhos e os netos. A casa é mais do que estas paredes que me abrigam. É a verdadeira essência do Lar e quando os meu filhos e as minhas netas me rodeiam de tanto carinho, da profunda dádiva que nasce, num caso particular, do sacrifício pessoal, eu apenas posso e sei sentir-me imensamente feliz e grata. O riso e as lágrimas são como as cores do arco-íris, porque eu tenho o sol, as estrelas e o luar dentro de mim.
...
3 de dezembro de 2017
Maria Teresa Sampaio






quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O louco

Loucos, há-os em todos os tempos. O século XX destacou-se nessa área.
No século XXI há vários, os que se conhecem e os que estão ocultos entre as massas. Alguns equivalem-se no grau de insanidade. Tanto assim é que entre  ‎Kim Jong-un e Donald Trump tenho uma enorme dificuldade de escolha. Ambos padecem de perigosos distúrbios de insânia. Revelam atitudes de insensatez, imprudência, irresponsabilidade e mesmo bizarria. São muitos adjetivos para definir dois homens apenas? É verdade. E, contudo, não chegam.
Donald Trump, ao tomar a decisão de mudar a embaixada dos EUA para Jerusalém, considerando-a, unilateralmente, capital de Israel, destruiu de uma só penada os ténues vestígios de paz no Médio Oriente. Ao arrepio do Direito Internacional, violando várias resoluções da ONU e enjeitando a capacidade de mediação do país que desgraçadamente representa, num conflito que, agora, graças a esta medida completamente temerária, leviana e estúpida, de novo se agudiza perigosamente,  o senhor que detém o poder nos EUA, apenas vem acentuar  grosseiramente o que já sabíamos: não possui o mínimo de aptidões para desempenhar o cargo para o qual foi eleito à tangente, com a ajuda solícita de Putin, é um ignorante rico e um louco perigoso, que de diplomacia sabe menos de zero. É questionável e mesmo improvável que consiga acalmar os ânimos internamente, cedendo ao lobby judaico, e para o caso vertente, isso também pouco importa. Na arena internacional só conseguiu, por ora, o apoio espectável e reconhecido de Benjamin Netanyahu e a oposição de todos os países muçulmanos a esta que já é considerada pelo presidente do concelho nacional iraniano-americano a “mãe de todas as medidas estúpidas”. Quanto aos restantes países do mundo, até há pouco, não eram conhecidos apoios. Pelo contrário. A primeira reação internacional foi do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, criticando "medidas unilaterais”  e afirmando que Jerusalém tem de ser reconhecida como "capital de Israel e da Palestina". Também a EU rejeitou já a decisão de Trump.
O jornal Daily Star no Líbano escreveu em manchete: “Sem ofensa, senhor Presidente: Jerusalém é a capital da PALESTINA”.
Mr. Trump conseguiu em menos de três dias desencadear uma nova intifada. A sabedoria deste homem é incomensurável.
7 de dezembro de 2017

Maria Teresa Sampaio
Jacob Cornelisz van Oostsanen 
The laughing Fool, ca. 1500.




sábado, 2 de dezembro de 2017

”I know not what tomorrow wil bring”.

Fernando Pessoa fumava cerca de quatro maços de tabaco diariamente e bebia, bebia muito. Nos últimos tempos de sua vida as cólicas abdominais e os estados febris, por vezes intensos, eram cada vez mais frequentes. O médico avisara-o que tinha de parar. Mas Pessoa não lhe deu ouvidos e prosseguiu o seu caminho alheado da terrível realidade que funcionara como uma sentença a pairar sobre a sua vida, embora tantas vezes ele próprio tivesse escrito sobre a morte. No dia 29 de novembro de 1935, ainda chamou o Sr. Manassés, barbeiro, que morava bem perto de si, na rua Coelho da Rocha, em Campo de Ourique, mas acabou por ser hospitalizado no Hospital de São Luís dos Franceses, no Bairro Alto, com uma crise hepática grave. Já na cama, pressentindo o fim, pediu papel e lápis para escrever as suas últimas palavras, na forma enigmática que lhe era tão peculiar. Não usou o português, mas sim um inglês literário:
”I know not what tomorrow wil bring”. 

No dia seguinte, a 30 de novembro de 1935, Fernando Pessoa deixou-nos. Eram cerca das 20 horas. 
Ocorrem-me as suas palavras proféticas: 

“Tornando-me assim, pelo menos um louco que sonha alto, pelo mais, não um só escritor, mas toda uma literatura, quando não contribuísse para me divertir, o que para mim já era bastante, contribuo talvez para engrandecer o universo, porque quem, morrendo, deixa escrito um verso belo deixou mais ricos os céus e a terra e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente.” (“Aspectos” , Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966)
Fernando Pessoa foi a enterrar no Cemitério dos Prazeres, no jazigo da avó, no dia 2 de dezembro de 1935. Luís de Montalvor discursou em nome dos sobreviventes do grupo do Orpheu. Fisicamente o Escritor deixara-nos, mas a verdadeira importância da sua obra ainda iria ser descoberta, reconhecida, estudada e traduzida para todo o mundo, até aos dias de hoje. 
Fernando Pessoa era sensitivo e disso nos apercebemos em muitas dos seus escritos, como este do Livro do Desassossego em que diz: 

“ Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, terei enfim a gente que me «compreenda», os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já morrido há muito. Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que teve, quando vivo. Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse.” 

É por isso que a minha página se intitula “Fernando Pessoa: "Passo e fico, como o Universo." https://www.facebook.com/pg/fernandopessoafica/ 
...

Lisboa, 30 de novembro de 2016 

Maria Teresa Sampaio
Funeral de Fernando Pessoa

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Fernando Pessoa partiu mas ficou

O dia 30 de Novembro de 1935 marcou o fim da vida de Fernando Pessoa e de todos os outros em que se manifestava.

Escreveu tanto e tão diversamente, que ainda hoje os investigadores descobrem textos seus. E, no entanto, a “Mensagem” foi o único livro publicado enquanto viveu. Partiu aos 47 anos quando já nada mais esperava da vida. A infância era o seu paraíso perdido e a mãe, eterna âncora, que ele amava mais do que tudo na vida, nunca o compreendeu. Ofélia foi a amada possível, que teria de abandonar porque a sua vida era guiada por Mestres oclusos e tudo na vida girava em torno da sua obra literária. Para a concretizar precisava de sossego e de isolamento. Isso mesmo escreveu a Ofélia.

“Era um poeta animado pela filosofia, não um filósofo com faculdades poéticas. Adorava admirar a beleza das coisas, descortinar no imperceptível e através do muito pequeno, a alma poética do universo.”
Para ele “ a poesia é assombro admiração, como de um ser caído dos céus que toma plena consciência da sua queda, espantado com o que vê”.(1)
Tornou-se infinito na obra imensa que deixou e no pensamento que ainda hoje é estudado. Era tão imenso e tão profundo que não cabia em si. Tinha de se outrar em tantos heterónimos e figuras literárias, quantos a sua imaginação criara. Insubordinador de espíritos, criador de paradoxos e de enigmas, foi Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares, entre outros, mas neles todos foi ele mesmo.

Veio antes do seu tempo e dos seus pares e atingiu os cumes onde apenas teve por companhia a solidão.
Deixou-nos um lamento, que era mais um grito de alma: “ Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, terei enfim a gente que me «compreenda», os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já morrido há muito. Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que teve, quando vivo. Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse. (2)

Tornou-se o escritor português mais traduzido no mundo e o seu “Livro do Desassossego”, paradoxalmente em prosa e um não livro, porque fragmentário, é o best seller da sua obra.

Fernando Pessoa passou e ficou “como o universo.”
 
Maria Teresa Sampaio

(1) In: Obra Essencial de Fernando Pessoa.Prosa Íntima e de Autoconhecimento. Edição Richard Zenith, Assírio & Alvim, Abril 2007
(2) In Fernando Pessoa. O Livro do Desassossego, Edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim. Trecho 191.
Pessoa num desenho de Almada Negreiros, executado 
em 30-11-1935, no regresso do cemitério.


terça-feira, 28 de novembro de 2017

O dia 28 de novembro

a esperança existe sim
desponta de repente como
uma flor no deserto
vem de um mundo ideal
de formas sonhadas
mas também de profundas
e inesperadas emoções
de acreditar que se consegue
corrigir o que está mal
e pelo menos reconstruir-nos
subitamente tudo muda
com o impulso do vento
acariciando as copas das árvores
o sol a esconder-se
avermelhando o horizonte
mãos pequeninas de criança
a pureza e inocência do seu olhar
o amor solidário dos filhos
o carinho da família
as memórias insuperáveis dos
que já partiram e tanto amei
as paixões e os amores saboreados
eu já não sou apenas eu
sou como uma força de vida
que vem do início das eras
porque trago os outros em mim
aceito tudo o que foi e que vivi
os erros e as falhas
o que é e o que será
sou alguém que resgatou o passado
e na aceitação do presente
procurando ultrapassar as dores
para além dos limites
para além das fronteiras
para além do tempo
na busca permanente de sabedoria
existe
e vive cada dia de aniversário
com Alegria muita Alegria
~~
28 de novembro de 2017

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Marcelo.

Marcelo prepara diligentemente a sua candidatura a um segundo mandato.
Avalia passo a passo, abraço a abraço, beijinho a beijinho, o efeito do seu omnipotente esbanjamento de afetos. A nação, carente e suspirosa, caiu-lhe nos braços e deixa-se afagar, depois de longos anos de secura com um mumificado Cavaco.
Marcelo conhece os efeitos balsâmicos de um abraço aconchegante, de palavras sussurradas ao ouvido, no momento certo, quando quem está esmagado pela dor sente o consolo que vem, inusitadamente, do topo da hierarquia do Estado.
Pode dizer-se que internacionalizou o abraço, numa fotografia que correu mundo e foi partilhada nas redes sociais da revista  “Time”.

Mas sabe também aproveitar todos os momentos, retirar de cada oportunidade apenas sugerida, escassamente percebida pelos outros, o máximo proveito para os seus desígnios. E como quase não dorme, sobra-lhe tempo para as mais inesperadas elucubrações.
Enquanto António Costa negociava a ajuda europeia em Bruxelas, Marcelo prosseguia, incansável, o seu périplo de amplexos e enleios, passando ao mesmo tempo uma rasteira traiçoeira ao homem que zelosamente o tinha informado, atempadamente, sobre as medidas que haviam sido programadas e sobre a demissão, então em marcha, da ministra da Administração Interna. Mesmo assim, optou pela dissimulação, pelo simulacro, encenou o grande espetáculo dramático e, como se nada soubesse, do alto, do seu cargo de Chefe de Estado e de Comandante Supremo das Forças Armadas não resistiu a zurzir o Governo num tom severo e tonitruante como até então ninguém lhe tinha ouvido, que soou como música angelical à sua família política.
Veio, pois, exigir que se cumprisse o que antecipadamente sabia ia ser cumprido. Mas não se ficou por aí, foi mais longe, ameaçou com as consequências da moção de censura que a sempre diligente e virtuosa Cristas lhe colocava à disposição e que acabou por resultar num favor ao Governo.

Houve jornalistas que souberam, pouco antes do discurso do Presidente, que a ministra ia ser demitida, mas preferiram não divulgar. Estavam distraídos com outros sinais de fumo… Apenas Daniel Oliveira deu conta desse facto publicamente e quando o fez no programa “Eixo do Mal” do passado dia 21, foi logo fustigado pelos presentes. Só no dia 26 o “Público” fez manchete do assunto, seguido do DN.

Marcelo respira política por todos os poros, da pontinha dos cabelos às unhas dos pés. Provavelmente desde o berço!
Já assim era na Faculdade de Direito de Lisboa. Quando numa greve geral ― antes do 25 de abril de 1974 ― os campos se extremaram a tal ponto, entre estudantes de direita e de esquerda, que os confrontos físicos, ultrapassaram as barricadas, o sangue correu e a polícia de choque, como de costume, fez a sua brutal aparição, Marcelo Rebelo de Sousa, afilhado de Marcelo Caetano, filho de um ministro de Salazar, não furou a greve como alguns, seus escassos colegas do 5.º ano fizeram. Estou a lembrar-me de Braga de Macedo que, apesar de agredido rompeu os piquetes de greve, em coerência com as suas ideias de direita.
E o jovem Marcelo era de esquerda? Claro que não.
Fez greve? Também não.
Então? Foi fura-greves? Nãããão, destoar-lhe-ia no currículo.
Recordo-me de o ver do lado de cá da barricada, ou seja, onde nós estávamos, os estudantes de esquerda. Trocava palavras amistosas, observações casuísticas, com quem lhe desse troco, num tom afável, como se não fosse nada com ele. Parecia um observador investido superiormente por uma entidade desconhecida dos demais..

Quem diria? Aquele que viria a ser o futuro Presidente da República de Portugal dava os primeiros passos na coabitação política, preparava já o seu caminho, com a inteligência e a habilidade que todos lhe reconhecem, a frieza, o calculismo e a  premeditação que poucos ainda lhe atribuem.

Os últimos acontecimentos, particularmente o mais recente episódio com António Costa, remetem-me para a fábula do escorpião e da rã. Tal como o escorpião, Marcelo não pode evitar a sua própria natureza.

Maria Teresa Sampaio
27 de Outubro de 2017 


NÃO PASSARÃO!

NÃO PASSARÃO!

Os mandantes dos pirómanos, os verdadeiros criminosos, que verdadeiramente lucram com os fogos; aqueles que ficam bem de longe, comodamente instalados nos sofás, a assistir ao avanço imparável das chamas, calculando os milhões que hão de receber em adjudicações, ou por outros meios menos lícitos;
  
Não passarão!

Os “Passos Perdidos”, que não resistiram ao calor do fogo e reapareceram para lançar mais gasolina no incêndio, que ajudaram a atear quando desgovernaram o país;

Não passarão!

As “Cristas Encaliptadas”, que no seu tempo de governantes franquearam o terreno à livre expansão do eucaliptal em terras lusas e agora insistentemente reclamaram a cabeça da ministra da Administração Interna;

Não passarão!

Nem as “Cristas Encaliptadas”, nem os Magalhães, nem os “Passos Perdidos”, nem os Hugos Soares, nem os outros de idêntica laia, que no Parlamento foram protagonistas do mais sádico, mais degradante e macabro espetáculo, montado pelos seus partidos (em vez de uma cerimónia simbólica adequada ao luto nacional), unicamente para humilhar, envergonhar e espezinhar o primeiro-ministro.

Não passarão!

Nem as atitudes de arrogância, nem a falta de humildade, nem a incapacidade de reconhecer as falhas, nem as palavras secas de distanciamento e de frieza, sobretudo em tempos de tragédia, quando as pessoas precisam de maior empatia e sensibilidade da parte de quem os governa. Mas também hão de ser desvendados os excessivos afetos que podem, por vezes, ocultar a mais subtil manipulação ou o ligeiro tique, prenunciador de uma síndrome calculista e maquiavélica, capaz de tão inesperada quão violenta estocada final;

Não passarão!

Os mestres da retórica e do jogo político tortuoso, atrás dos quais escondem a incapacidade de resolver os problemas mais prementes do país; 

Não passarão!

Aqueles que escamotearem a vontade legítima de levar a cabo uma investigação, por todos os meios legais, para apurar as suspeitas de terrorismo incendiário ou de uma conspiração mais vasta, para inverter a marcha do país, deixando-o sem recursos naturais, económicos e financeiros, sem confiança, nem esperança e sem futuro, à mercê de interesses ocultos;
  
Não passarão!

Aqueles, sem ética nem dignidade, cujo único objetivo é desarticular e tornar inoperante a “Geringonça”, porque encarna os princípios de superação das diferenças através de uma unidade democrática concertada laboriosamente pelo diálogo e a transparência, que abominam;
  
Não passarão!

Os20 de Outubro de 2017. proponentes e apoiantes da moção de censura ao Governo, revestidos de oportunismo político, que tão depressa esqueceram as mortes, a tragédia e o luto nacional.

Resistiremos.
Aprenderemos com os erros e, infelizmente, também com a desgraça.
Seremos mais fortes e faremos Portugal renascer das cinzas.

Maria Teresa Sampaio
20 de Outubro de 2017. 















Cristas no ar. Silêncio e muito barulho.

Cristas no ar. Silêncio e muito barulho.
Motivo: fogos.
Alvo: geringonça.
Meios: todos, os visíveis e os encobertos.
É hora de aproveitar os reveses. Que mais se poderia esperar?!
Manifestações silenciosas, de triste memória na história da nossa democracia, aí estão, convocadas através das redes sociais, por gente que se diz apartidária, tal como em 28 de setembro de 1974, aquela atrás da qual se escondia Spínola, que pretendia inverter o rumo da História. Outras, porém, dispõem-se a fazer mais barulho e juntarem-se às caladas.
“Vão de férias”, dizem os promotores.
Também o bispo de Viana do Castelo considera que “Chegou a hora de dizermos basta” e acrescenta, “Que ninguém se cale. Quem cala consente. Calar-se é colaborar no mal que está a destruir a nossa querida Nação”.
Estranho é que gente tão atenta, tão cívica, tão consciente dos seus direitos e deveres, tão solidária, tão religiosa e apartidária, se tenha autossilenciado durante tantos anos e se agite freneticamente agora, a coberto da dor e do desespero legítimos das populações atingidas pela calamidade extrema e completamente inusitada destes fogos, exatamente quando se anuncia que vão ser tomadas as medidas preconizadas no Estudo elaborado pela Comissão Independente proposta pela oposição.
Que coincidência, estas pessoas tão apartidárias repetirem as palavras e as acusações de alguns senhores da oposição e fazerem coro com uma parte infelizmente acéfala de jornalistas e comentadores da nossa praça.
Que coincidência estas movimentações ocorrerem quando já o CDS vai apresentar uma moção de censura ao Governo, apoiada pelo PSD. Todos os fins são políticos, nada mais.

Não há coincidências. A história ensina-nos que não devemos distrair-nos, nem desarmar, porque eles estão aí, de cristas ao vento e se eles se unem, nós também nos unimos. Como sempre o fizemos. Sem soçobrar.
 
 Maria Teresa Sampaio.
 17 de outubro de 2017




terça-feira, 20 de junho de 2017

Bombeiros de Portugal

Não apontam dedos acusadores.
Não questionam razões. (Outros terão de o fazer. Oportunamente.)
Não perguntam porquê.
Não têm tempo para isso.
Não ignoram a gravidade das situações. Como poderiam fazê-lo se o fogo devorador está por todo o lado?
Vão em frente. Combatem para salvar populações, casas, animais.
Sabem que as vítimas são muitas. Vêem nos olhos dos sobreviventes uma indizível dor, que nada consegue apagar.
Tombam alguns companheiros a seu lado, mas prosseguem a luta.
Dão a vida pelos outros.
São eles, como infelizmente já o foram tantas vezes antes, os heróis deste país.
São os BOMBEIROS DE PORTUGAL.             
  
Maria Teresa Sampaio

2017-06-20



quarta-feira, 22 de março de 2017

Renoir: A Arte superou a dor.

Pierre-Auguste Renoir

[Limoges, 25 de fevereiro de 1841 — Cagnes-sur-Mer, 3 de dezembro de 1919]


Renoir foi um pintor que me marcou desde o início da adolescência. As cores vibrantes, a luz e a felicidade que transparecem das suas telas sempre me seduziram. Desconhecia, então, o sofrimento do artista, as dores incapacitantes que o atormentavam e paralisaram quase por completo.
O irmão mais novo, Edmond Renoir, traçou–lhe o retrato, a pedido dos editores de La Vie Moderne. Tinha um ar pensativo, melancólico, o olhar perdido. Esquecido e desordenado, andava sempre a correr na rua e, no entanto, capaz de ficar sem se mexer e sem falar durante horas, a pensar num novo quadro. Falava o menos possível de pintura, mas se quisessem ver o seu rosto iluminar-se, cantarolar um alegre refrão, não era à mesa nem em lugares de diversão que o deviam procurar, mas sim surpreendê-lo a trabalhar. 
O crítico de arte Georges Rivière referiu que quando o pintor entrava no café da Nouvelle-Athènes, vinha com o passo apressado, ar sério e distraído, porque a imaginação conduzia-o para bem longe do lugar onde estava. Sentava-se a um canto, misturando-se raramente na conversa geral, indiferente ao que se contava em seu redor, dava voltas entre os dedos, a um cigarro, que acendia e deixava continuamente apagar-se ou rabiscava sobre a mesa um contorno insignificante com um fósforo apagado.   

Formação e primeiras obras

Pierre-Auguste Renoir nasceu em Limoges (França), em 25 de Fevereiro de 1841, quarto filho de um modesto alfaiate e de uma operária. Tendo revelado uma habilidade precoce para o canto e o desenho, ao terminar a escola primária, o pai quis que aprendesse o ofício de pintor de porcelana. Aos treze anos começou a trabalhar, como aprendiz, numa oficina de pintura de porcelanas, em Paris, para onde a família se tinha mudado. Esse trabalho foi essencial para a sua convicção de que o trabalho de pintor é fortemente artesanal. O dinheiro que conseguiu poupar durante os quatro anos de assalariado, não apenas na pintura de porcelanas como também de leques, permitiu-lhe ingressar na Escola de Belas Artes, enquanto frequentava, simultaneamente, a academia do pintor Gleyre. Aqui iniciou a sua amizade ― e mais tarde a aventura impressionista ― com Claude Monet, Alfred Sisley e Frédéric Bazille. Esforçou-se, como mais nenhum dos amigos do Café Guerbois, por cumprir a sua formação, participando em concursos e passando nos exames. A determinação e perseverança de que daria provas ao longo de toda a vida, principalmente, face à doença, foram características que logo se evidenciaram.
Em 1864 apresentou pela primeira vez uma obra no Salão oficial (Salon), que dominava então o panorama artístico da época, regido por padrões classicistas. Mas foi só em 1868, com ‘Lise’, que captou o interesse do grande escritor Émile Zola e de raros críticos de arte oficiais, que se regiam pelos cânones até então impostos pela Academia, a Escola de Belas Artes e o Salão oficial. Impressionou pela precisão dos efeitos, a delicadeza da gama de cores e principalmente pelo encantamento da luz. Começava já a interessar-se profundamente pelo comportamento da figura humana sob intensa iluminação e por representá-la através da vegetação. São desta época os retratos que pintou da mãe, do pai, dos pintores seus amigos, Sisley, Basille e Jules Coeur , “Le Cabaret de la mère Antony“, “Diane chasseresse”, “Lise à l'ombrelle”, “La Grenouillère” e “La Bohémienne”, alguns retratos para a “avant-garde” literária daquele tempo, como, por exemplo,  ”Madame Daudet”, esposa do escritor Alphonse Daudet.

Período Impressionista (1869-1883)

Renoir e os seus companheiros impressionistas deixam de “olhar” ou de “perceber” os objetos como possuidores de cores absolutas, uma vez que estes são condicionados por vários e importantes fatores, até então não tidos em conta, como: a luz que sobre eles incide, a própria ação da atmosfera que os envolve e a coloração do ambiente em que se inserem. Passaram a exprimir a impressão colorida que o olhar capta, a sua sensação em contacto com a luz. A luz que banha todos os objetos também dilui os seus contornos no fundo. As pinceladas são curtas, de pequenos pontos e vírgulas, que, mais tarde, em Renoir, podem dar lugar a pinceladas mais amplas e soltas também. O pintor assume já um estilo muito pessoal, que perdurará em toda a sua obra: tratamento da cor e das sombras coloridas da folhagem; múltiplas e diversas vibrações da luz e seus diversos cambiantes com as horas do dia; efeitos da luminosidade nos corpos ou os reflexos na água. Em 1969, o interesse pela pintura ao ar livre levou Renoir e Monet a montar os cavaletes em La Grenouillère, numa ilha do Sena, onde plenamente submersos em luz, captaram a natureza, como uma fonte de sensações, na sua forma mais imediata possível, retendo a muito mais a impressão geral do que os detalhes. As obras que Renoir e Monet pintaram nesse ano são consideradas por muitos como o início do Impressionismo. Viviam pobremente, mas preocupava-os mais a falta de dinheiro para comprar as tintas do que para comer. Numa carta a Bazille (cerca de 1870), Renoir escreveu: “Apesar de não comermos todos os dias, estamos de boa disposição”. O que sempre lhe importou foi transmitir a beleza e alegria de viver. Nos seus quadros nunca transpareceu o menor laivo de sofrimento, a que ele próprio não foi alheio.
Depois de ter sido mobilizado durante a Guerra Franco Prussiana, em 1870, Renoir iniciou um período de trabalho intenso e, a 15 de abril de 1874, juntamente com Pissaro, Monet, Sisley, Degas, Cezanne, Guillaumin e Berthe Morisot, participou na primeira exposição impressionista que passou a ser conhecida como sendo organizada. Alguns dos quadros que então pintou, como “Le Balançoire” o célebre “Le Bal au Moulin de la Galette”, viriam a ser entusiasticamente recebidos pelo público da terceira exposição impressionista, em 1877. Os temas que, então, trata parecem surgir de uma sintonia muito pessoal com a alegria de viver e o otimismo das personagens de origem mais modesta, que retrata em lugares onde afluem, para celebrar motivos de festa populares. Visita frequentemente Manet em Argenteil, (próximo de Paris e muito na moda, nesse tempo) onde pinta, retratos do amigo e da família e ainda “Les Canotiers à Chatou”, “La Seine à Argenteuil”, “Chemin montant dans les hautes herbes”. No célebre “Le Déjeuner des canotiers”, a jovem à mesa, que aparece, em primeiro plano, brincando com um cãozinho, viria ser a mulher do artista, Aline Victorine Charigot . São deste período, entre muitas outras  obras, “Rose et bleue/ Alice et Élisabeth Cahen d'Anvers”, “Jeunes Filles en noir”, “Les Deux Sœurs/ Sur la terrasse”, “La Femme à l'éventail”, “Jeanne Henriot/ Fillette au chapeau bleu”, “Jeune Fille algérienne”,” Bal à Bougival, ou Danse à Bougival”, “Danse à la campagne” e “Danse à la ville”, “Femme algérienne”, “La Mosquée/ Fête árabe” e alguns nus femininos que, a par da representação de crianças, começam a destacar-se na sua obra.
A fama de Renoir aumentou e passou a vender regularmente os seus trabalhos, deixando de ser assolado por problemas económicos. Em 1883 o galerista Paul Durand-Ruel, que o tinha descoberto na década anterior e reconhecido o talento, organizou uma exposição especial sobre a sua obra.
Entretanto, no grupo dos impressionistas era já notória a perda de coesão. Para Renoir as viagens que realizou a Argélia e a Itália, onde conhece diretamente as pinturas pompeiana e de Rafael, bem como a leitura da tradução francesa do “Livro dell Arte”, de Cennino Cennini (pintor florentino de finais do séc. XIV), que é um "manual de instruções" sobre a arte do Renascimento, tiveram nele um profundo impacto. Com a humildade que sempre o caracterizaria, concluiu que depois de ter esgotado as possibilidades do impressionismo, tinha de reaprender a pintar e a desenhar. Foi então que destruiu algumas obras dando os primeiros passos num novo caminho da sua arte.

Período Ingresco ou Seco (1883-1887)

Assim, no oitavo e último salão dos impressionistas, em 1886, já Renoir não participou.
Por essa altura, Paul Durand-Ruel apresentou 32 dos seus quadros em Nova York, o que em muito contribuiu para abrir o mercado norte-americano, não só ao pintor, como também aos outros impressionistas.
Deixa Paris, afasta-se do impressionismo e, aos poucos, os temas preferidos deixam de ser a representação das cenas da vida quotidiana ou de festas populares, que lhe tinham sido tão queridas, optando pela pintura de figuras utilizando um desenho de contornos mais precisos e por toques delicados de cor. Se nas suas primeiras obras se notava a influência de Courbet, agora é Ingres que o conduz ao abandono das cores vibrantes da etapa impressionista. Compõe, entre outras, as seguintes obras: “Suzanne Valadon”, “Fillette au cerceau”, “Les Parapluis” (1881-1886), mas a obra mais representativa deste período é “Les Grandes Baigneuses” (1884-1887).

Período Iridescente ou Nacarado (a partir de 1888 )

Continua a realizar experiências com a pintura, como fazia desde o início dos anos oitenta, acabando por regressar às colorações vibrantes, aplicadas com pinceladas mais longas e soltas (longe da disciplina da fase “seca”anterior), que adquirem em muitos casos, um tom nacarado, para chegar, enfim, nos últimos anos da sua vida, a uma síntese dos estilos anteriores.
O nu feminino assume particular destaque na sua obra, nele recriando os efeitos possíveis da luz sobre os corpos, conjugados com uma plenitude cromática e pictórica em perfeita harmonia com a sensualidade das formas e a celebração dos sentidos. O tema pictórico bem como os valores imediatos e vitais são os mesmos do impressionismo mas assumem, agora, um procedimento mais universal e até intemporal na pintura das personagens femininas. A propósito, disse o pintor: “ Eu gosto dos quadros que convidam a passear por dentro, se for uma paisagem, ou então a passar a mão por um peito ou por umas costas, se for uma figura feminina”.
Também as cenas domésticas e as crianças são abordadas com uma particular sensibilidade, gentileza e a calorosa resposta ao mundo e à vida que imprimiu em todos os quadros. Pretendeu sempre e conseguiu representar motivos e cenas com um caráter amável, desprovido de carga dramática, a que não é alheia a veia sentimental herdada dos mestres franceses do séc. XVIII e, principalmente uma evocação poética da vida banhada por uma luz calorosa.
Os retratos por encomenda, de personalidades da alta burguesia, foram para o pintor uma importante fonte de subsistência, que lhe permitiam dedicar-se, em paralelo, aos temas que preferia. De origens bastante humildes, sabia distinguir entre o que lhe permitia sobreviver em épocas de maior dificuldade, da pintura que para ele era verdadeiramente importante e da qual nunca abdicou durante toda a sua vida.
Em 1892, noutra exposição organizada por Laurent-Druel, que apresentou cento e dez quadros da autoria do pintor, Renoir teve o merecido sucesso e o reconhecimento oficial, quando o Estado francês, apesar da habitual relutância em relação aos Impressionistas, tantas vezes confundidos com anarquistas, lhe comprou pela primeira vez uma obra.
Oito anos mais tarde, o Metropolitan Museum de Nova York comprou, num leilão, o famoso retrato de “Madame Georges Charpentier et ses enfants” (de 1878).
 A partir de 1888, destacarei, na impossibilidade de os mencionar todos, apenas os seguintes quadros: “Jeune Femme se baignant”, “Petite fille à la gerbe”, Jeunes Filles lisant/ Les Deux Sœurs”,”La Marchande d'oranges”, “Portrait de deux fillettes”,”Jeunes Filles lisant”,”Baigneuse assise au rocher”,” Jeunes filles au piano”, ” Young Girl Combing Her Hair”,  “Baigneuse aux cheveux longs”,
” Gabrielle e Jean”,” Jeune Espagnole jouant de la guitare”,” La Jeune Mère”,” La Toilette”, “Jean Renoir dessinant”, “Baigneuse”, “Ode aux fleurs/ Ode aux fleurs d'après Anacréon”, “Claude Renoir jouant”,” Quatre études de Jean”” Gabrielle lisant”,” La Toilette: femme se peignant”,” Nu couché, vu de dos/ Le Repos après le bain”, “Autoportrait au chapeau blanc”, "Paul Durand-Ruel”, “Les Laveuses”.
O quadro mais emblemático das pesquisas e experiências que o pintor realizou  no final da sua vida é, porém,   “Les Baigneuses”,  pintado na tradição de Tiziano e de Rubens (que  admirava tanto) e que nos devolve um olhar idílico sobre a natureza de características mediterrânicas, serenidade do todo, plenitude e sensualidade das formas nuas.  É o espírito intemporal do classicismo grego e romano que o pintor nos transmite: “a terra era o paraíso dos deuses”. “Eis o que eu quero pintar”, acrescentava.
Foi considerado o testamento pictórico de Renoir e como tal doado pelos filhos ao Estado francês, em 1923.

A doença. A superação da dor pela arte.

No final dos anos oitenta do século XIX já Renoir sofria de crises agudas de reumatismo. Pensa-se que terão sido desencadeadas por um traumatismo provocado por uma queda de bicicleta em 1897, ou, pelo menos reveladas na sequência da mesma, embora uma fotografia do ano anterior mostre já um inchaço bastante evidente nas articulações das mãos, quando o pintor tinha 55 anos. Várias articulações foram atacadas (membros superiores, pés, joelhos, coluna cervical, etc.) no decurso da evolução da doença, classificada, mais tarde, como poliartrite crónica evolutiva. Embora não existam registos médicos sobre o estado clínico de Renoir, o seu debilitado estado de saúde era conhecido e falado ao seu tempo, com a designação genérica de “reumatismos”, assim mesmo, no plural, tantas e tão diversas eram as manifestações físicas no corpo deformado do artista e, graças às fotografias, cartas pessoais e notas biográficas das pessoas que com ele privaram e  o conheciam melhor, foi possível reconstituir de forma aproximada a evolução da doença. Os conhecimentos científicos a este respeito, no séc. XIX, eram escassos, deixando os médicos perplexos. Contou Jean Renoir, (filho do meio, que viria a tornar-se internacionalmente conhecido como realizador do cinema francês ), que sempre que o motorista do pai chegava a  Les Collettes (quinta que tinha comprado em 1907) com um novo médico, “este examinava Renoir, abanava a cabeça e declarava que a ciência ignorava tudo esta forma de Reumatismos”
Sabe-se, isso sim, que o clima frio e húmido de Paris no inverno, e mesmo no Outono, era detonador de crises cada vez mais dolorosas, razões que levaram Renoir a instalar-se, em 1903, na Côte d'Azur, em Cagnes-sur-Mer, cujo clima mediterrânico lhe era muito mais favorável.
As dores de que padecia, frequentemente relatadas, estão relacionadas com a natureza inflamatória da artrite reumatóide. Roger Marx, na sua Biografia de Renoir, menciona-as, como verdadeiras “torturas”, que, porém, não só nunca o impediram de pintar como também não tiveram o mínimo reflexo na sua arte. A sua cronicidade marcava inexoravelmente o avanço da doença. De ano para ano emagrecia assustadoramente, e perdia massa muscular. É o próprio pintor que refere numa carta, sem perder o bom humor: "É impossível ficar sentado porque sou extremamente magro. Não pode haver gordura em quarenta e seis quilos. Os meus ossos estão a furar a minha pele, apesar do meu bom apetite".
O ombro direito ficou anquilosado, as mãos terrivelmente deformadas, “encarquilhavam-se”. Com a rutura dos tendões extensores dos dedos e dos punhos, o polegar curvava-se para a palma da mão e os outros dedos em direção ao pulso. Conta-se que os visitantes tinham dificuldade em desviar o olhar de semelhante invalidez e, não obstante, foi com estas mãos estropiadas que Renoir, segundo contou um dos seus netos, continuou a enrolar os cigarros e pintou cerca de 400 obras. A pele tornara-se tão fina que qualquer contacto com a madeira dos objetos era suficiente para a ferir. Gabrielle (ama dos filhos, que se tornou o seu modelo predileto) conta que passaram a colocar na palma da mão e entre as falanges fitas de tecido muito fino que dava impressão de terem ligado os pincéis às mãos. Quando caíam ela voltava a dar-lhos. Mas o mais surpreendente, segundo ela, era o seu olhar de lince: “Por vezes ele diz-me para tirar “dali”, um pelo de pincel que se colou à tela. Eu procuro e não encontro nada e é este senhor que mo mostra, minúsculo, escondido num empastamento”.
Quando o filho mais novo, Claude (Coco) nasceu, o pintor tinha já 60 anos, e o seu estado geral era extremamente preocupante e doloroso. Jean Renoir contava que o pai obedecia a um sistema de trabalho tão duro que, nessa idade já os sinais de velhice eram muito visíveis: “o rosto estava devastado, afundado, enrugado, a barba rala, os olhos pequenos piscavam, brilhantes, húmidos, doces e bons, sob as sobrancelhas espessas.” 
Outros relatos referem que o pintor terá sido acometido por uma pleurite e, posteriormente, por uma paralisia facial, tratada, então, com eletroterapia. Como os nódulos nas costas se tinham tornado muito incómodos, foram-lhe extraídos. 
A doença avançou, implacável, para as pernas e os pés, imobilizando-o, frequentemente. Quase não comia e pesava cada vez menos. Havia dias em que se sentia de tal forma anquilosado que tinha de se apoiar em duas bengalas.  
Deixou de conseguir usar sapatos: os pés deformados apenas suportavam chinelos de lã. Mesmo assim, foi afetado por uma gangrena num pé, em 1918, e por escaras, apesar de todos os cuidados. Os esforços despendidos para andar, na sua débil condição física, eram tão grandes, que Renoir não hesita em afirmar: 
”quanto a escolher entre andar e pintar, eu gosto ainda mais de pintar.” 
Quando deixou de andar passou a ser transportado em cadeira de rodas ou numa espécie de liteira. Nunca desistiu.
De novo Jean Renoir recorda: “E é nestas condições físicas, que seriam para os outros homens, um inferno, que Renoir vai pintar as suas mais belas obras, superando as da juventude e da maturidade." Lembra ainda que, nos últimos anos de vida do pai, quando o seu estado era de extrema fraqueza e já não podia mesmo andar, “mas queria pintar até ao último suspiro, mandou construir um estúdio de vidro onde podia ver a sua "modelo" nua no jardim. Foi um magnífico exemplo de coragem humana."
Já com as mãos irremediavelmente deformadas e inválido a cem por cento, pintou  o quadro “Les Baigneuses” (1918-1919), que como disse a Henri Matisse, considerava “o cume e a síntese da sua arte”.
Não só nunca deixou de pintar, como começou, até, a esculpir, em detrimento do seu estado de saúde, com uma determinação ilimitada. Os olhos substituem as mãos, dando orientações e corrigindo as formas moldadas por um aluno de Maillol, Richard Guino, que seguindo as suas instruções, fez o belo bronze da "Vénus Victorious", como era o seu grande desejo. “Sob este sol queremos ver Vénus em mármore ou bronze misturadas com folhas."
Conta de novo Jean Renoir que: “Em setembro de 1919, Renoir é um esqueleto atormentado pela dor, um saco de ossos e pele que nada a não ser a pintura pode apaziguar”.
Até ao fim da vida, em 1919, pintou cerca de 6.000 quadros. Nesse ano levaram-no de cadeira de rodas ao Louvre, onde viu um dos seus quadros ao lado de Veronese, tendo então afirmado: 
Creio que, aos poucos, começo a perceber disto.
Nem o sofrimento o venceu nem a fama o envaideceu.
No dia 2 de dezembro de 1919, quando tinha acabado de pintar uma natureza morta com maçãs, Renoir fechou os olhos para sempre. Conforme explicou Jean Renoir não morreu da pneumonia que tinha, de facto, mas sim de uma paragem cardíaca.
Para este homem de caráter humilde e determinado, que foi um verdadeiro génio da cor de toda a história da arte, o sofrimento só podia ser ultrapassado pelo seu ofício constante de pintar. Com toda a naturalidade, incansavelmente, dedicar-se-ia a superar os seus limites, sem deixar que o mínimo traço de infortúnio, de aflição, pudesse ser vislumbrado nos seus quadros. O seu legado artístico é um autêntico hino ao otimismo, à felicidade e à harmonia. A arte de Renoir transmite uma intensa vitalidade e um esplendor quase animal. Quer represente cenas da vida quotidiana ou familiar, a boémia parisiense, os artistas pobres, retratos da alta burguesia, da sua família ou dos amigos, nus femininos, festas do povo, paisagens ou naturezas mortas, tudo Renoir pintou com ternura e uma imensa gentileza.
A síntese da sua vida e obra é feita pelo próprio nas palavras nos deixou:

“A dor passa, mas a beleza permanece."
~~
 Maria Teresa Sampaio

I . A Arte de Renoir

Le Déjeuner des canotiers_1880-1881. The Phillips Collection. Washington. USA
A jovem à mesa, que aparece, em primeiro plano, brincando com um cãozinho, 
viria ser a mulher do artista, Aline Victorine Charigot 

'Le cabaret de la Mère Antony à Bourron-Marlotte, 1866. National Museum, Stockholm.
Lise à l'ombrelle, 1867. Museu Folkwang, Essen
Chemin montant dans les hautes herbes. 1876-77. Musée d'Orsay, Paris.

Rose et bleue (Alice et Élisabeth Cahen d'Anvers). 1881. Museu de Arte de São Paulo
Jeunes Filles en noir. 1881. Musée Puschkin. Moscou.
Les Deux Sœurs ou Sur la terrasse. 1881. Chicago Museum
La Femme à l'éventail. 1881. L´Hermitage. S. Petesburg
Jeanne Henriot (Fillette au chapeau bleu). 18881. Coleção particular
Mère etenfant. 1881. Fundação Barnes, Merion (Pennsylvania)
Les Parapluies. 1883. National Gallery. London.
Bal à Bougival (Danse à Bougival). 1882-83. Museu das Belas Artes de Boston
Danse à la campagne. 1883. Musée d'Orsay, Paris
Danse à la ville. 1883. Musée d'Orsay, Paris
Femme algérienne. 1883. Coleção particular.
Suzanne Valadon. 1885. National Gallery of Art, Washington D.C.
Suzanne Valadon. La Natte. 1887. Museum Langmatt, Baden (Suíça)
Les Grandes Baigneuses. 1887. Philadelphia Museum of Art.
Jeune Femme se baignant.1888. Coleção particular
Petite fille à la gerbe. 1888. Museu de Arte de São Paulo
Jeunes Filles lisant (Les Deux Sœurs). 1889. Coleção particular
La Marchande d'oranges. c.1889. National Gallery of Washington
Jeunes filles au piano. 1892. Musée d'Orangerie, Paris.
Gabrielle et Jean (Renoir). 1895. Musée de l'Orangerie, Paris
La Promenade (La Jeune Mère) . 1875-76. The Frick Collection, NY
Pierre-Auguste Renoir. Autoportrait, 1876- Fogg Art Museum, Cambridge. Massachussets
Les Baigneuses. 1918-1919. Musée d'Orsay, Paris.

Escultura: Vénus Victorieuse. 1914-1915

II. A Doença de Renoir

Mão esquerda completamente deformada pela artrite.
Mão direita igualmente deformada
Renoir com as suas mãos deformadas e ligadas para poder pintar.(Photograph from British 
Medical Journal's published December 20, 1997 'How Renoir coped with rheumatoid arthritis' article
Renoir pintando no jardim da sua casa na Côte d'Azur
Renoir, Aline, (a mulher) e Coco (o filho mais novo). 1912
 Renoir no seu estúdio, em 1912.
Renoir, pintando na cadeira de rodas, no seu estúdio

Bibliografia

Hans Platte. Les Impressionistes. Ed. B. Arthaud, Paris 1962.
Encyclopédie des Arts Illustrée. Préface de Raymond Cogniat. Président d’Honneur de l’Association Internationale dês Critiques d’Art. Éditions du Livre d’Or, Flammarion, Paris, 1964
L'Impressionnisme et son époque (coffret de 2 volumes) Poche – 29 septembre 1987. Sophie Monneret (Auteur). Editeur : Robert Laffont (29 septembre 1987). Poche.
Renoir. Realização e Edição : Globus Comunicacion, S.A. Coordenação de João Kohl. Texto de José Manuel Lopez Blásquez. Madrid, 1994.
© RMN-Grand Palais (Musée d'Orsay) / Hervé Lewandowsk
Renoir. Roger-Marx Claude, Librairie Floury, Paris (1933) 
Renoir : un peintre de courage. Dr. Daniel Charles. Ihttp://peintresetsante.blogspot.pt/search?q=Renoir+
Renoir, Pintor da Luz, da Felicidade e da Harmonia. Autor: João Bugalho. 
Renoir: “La douleur passe, la beauté reste”. Auteur : Chloé Paternolli, Rédacteur. 
História da Artrite do Artista / Pierre A. Renoir.  In http://medicineisart.blogspot.pt/2010/06/historia-da-artrite-do-artista-pierre.html
Jean Renoir Parle de son Père Auguste en Mai 1954. https://youtu.be/c8t1_JLfHWo 
Pierre-Auguste Renoir. Avec son fils Claude et Sacha Guitry. Publicado a 04/07/2013. In https://youtu.be/qHOeN7HXj3k
(Unique film connu sur Pierre-Auguste Renoir, extrait de "Ceux de chez nous", de Frédéric Rossif (INA, 1975), réunissant les muets de Sacha Guitry, dont celui-ci de 1915, plus un premier plan d'origine inconnue. Sacha Guitry commente lui-même son travail. Renoir peint et bavarde, en compagnie de son fils Claude, 14 ans et non Jean, comme le dit Guitry par erreur, et de Sacha Guitry lui-même, qui entre dans le champ à mi-film. Deux parties: original et relecture. Pardon pour les pixels)
© 202 productions / Maurice Darmon. Op. 58, 3 juin 2013 (9'12).
“Je vous présente le peintre Pierre Auguste Renoir”, par Robert Poulin. In: https://youtu.be/XMa9-u7-izU
 Pierre Auguste Renoir: A collection of 1549 paintings (HD). In https://youtu.be/ygV9jJNx-1Q



 Maria Teresa Sampaio