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quarta-feira, 25 de abril de 2018

O meu 25 de abril de 1974

Para a minha netinha Adriana: passagem de testemunho.


Não sei, ainda, se consigo escrever sobre o 25 de Abril.
Naqueles tempos não escrevia nem lia, vivia.
Foi exatamente essa intensidade do viver, que me tem coibido de descrevê-lo.
Soube cedo, no dia 25 de Abril, que havia um movimento revolucionário de tropas. Faltava ter a certeza que era de esquerda e não da direita de Kaúlza de Arriaga.
O primeiro comunicado lido pela Rádio, anunciava ”Aqui posto de comando das Forças Armadas”. O resto tirou qualquer dúvida.
Deixei os meus filhos, pequeninos, com a minha mãe e assaltei, literalmente, as ruas de Lisboa. Ainda me atrevi a levar o carro, para chegar mais depressa à Baixa, deixei-o na Rua Nova do Almada e aí ficou, durante alguns dias, sem que lhe acontecesse alguma coisa. Não havia multas. Não se viam polícias. Só militares. Segui-os para todo o lado, comprei-lhes sandes e tabaco, num raro café aberto no Chiado e tive a incomparável, a inusitada alegria de ver Marcelo Caetano deixar o Quartel do Carmo, a caminho do exílio. 
Era o fim do regime ditatorial que durante 48 anos nos tinha oprimido. Portugal renascia.
Gritávamos em uníssono, “fascismo nunca mais”. As palavras de ordem surgiam espontaneamente, sem prévio arranjo.
E eu senti-me parte integrante de uma imensa massa humana que se deslocava para todos os lados, de sorriso largo no rosto, incrédula, palpitante.
Abracei tanta gente que não conhecia e nunca mais vi. Caíamos nos braços uns dos outros e, pelo menos naqueles dias, todos éramos amigos e solidários.
Ri e chorei, tantas vezes, de alegria, de pura felicidade.
Ainda agora, que estou a escrever, sorrio e as lágrimas reaparecem. Há sentimentos que não se perdem. Ficam guardados dentro de nós, até, um dia, acordarem.
De repente, o sol tinha nascido para todos nós.
As emoções que vivi nesse dia, transparente e puro, e nos dias que se seguiram, são absolutas, excecionais, indizíveis. 
Subitamente os sonhos longínquos, amordaçados, as palavras proibidas soltaram-se e o sabor primeiro, fundamental da LIBERDADE incendiou cada momento da minha vida. Era um sentimento tão em botão, tão incandescente que apenas sei dizê-lo através de Fernando Pessoa: “Não sente a liberdade quem nunca viveu constrangido”.
Integrei todas as manifestações, gritei todas as palavras de ordem, que nasciam espontaneamente e logo se espraiavam, infringi todas as normas de trânsito e até virei em sentido contrário em plena Av. da Liberdade. Não havia sinais, ou, se havia, não os víamos. E, estranhamente, não me lembro de ver acidentes.Depois, o tempo passou com uma velocidade que já nem nos surpreendia. Tínhamos apanhado rapidamente o ritmo.Fui esperar Mário Soares e Álvaro Cunhal.Distribuí cravos vermelhos por todos os caminhos e tudo se passava como se fosse irreal, como se estivéssemos a viver um filme. Nenhum sonho, alguma vez, poderia ter consubstanciado esta realidade que me ultrapassava a cada instante.
Eu vivia vertiginosamente, com aquela intensidade de quem quer apanhar o futuro já.

Ver a libertação dos presos de Caxias, marchar num 1.º de Maio verdadeiramente irrepetível, assistir ao nascimento das Comissões de Moradores, dos Conselhos de Aldeia e da Reforma Agrária, acompanhar o Movimento das Forças Armadas de norte a sul do país nem se explica. O tempo não chega. A minha vida toda não basta para contar o que vi e o que senti.
Ah, e como vivi!
Vivi muito.
Senti muito.
Emocionei-me muito.
Ainda hoje canto como Violeta Parra: “gracias a la vida, que me há dado tanto”.
Tudo foi um excesso colorido onde cabíamos todos. 
Tínhamos conquistado palmo a palmo a LIBERDADE. 
Os meus filhos já podiam crescer livres e o Pedro nunca iria para a guerra colonial.
A PIDE nunca mais voltaria a revistar a nossa casa e nós não voltaríamos a ser presos.
A Pátria já não era lugar de exílio.
Portugal era uma terra nova, onde brotavam todas as experiências.
Umas germinaram, outras não.
Ficou a LIBERDADE.
.....
Maria Teresa Sampaio

Cipriano Dourado

quarta-feira, 4 de abril de 2018

1968 FOI HÁ 50 ANOS


O ANO MEMORÁVEL, LOUCO, INSUBMISSO, IRREPRIMÍVEL, MÍTICO DE 1968

Havia uma atmosfera de estranha realidade, que se caracterizava pela afirmação da individualidade e, simultaneamente, pela consciência da força da rebelião de massas. Tudo era possível. Até o impossível. Ou melhor, não havia impossível. O sonho comandava tudo e a liberdade estava ali, ao alcance de um megafone ou de mãos que se davam sem medo. Sem fronteiras, nem muros. A guerra no Vietname congregava todas as revoltas. Repudiava-se o capitalismo instalado mas também o marxismo ortodoxo do Leste europeu. Uma completa inversão de valores, contrários ao status quo vigente, movia multidões de jovens aguerridos, que por todo o lado, dos Estados Unidos à França, alastrava pelo mundo, com palavras de ordem criativas, como: "É proibido proibir."; "Corram camaradas, o velho mundo está atrás de vocês." “O agressor não é aquele que se revolta, mas aquele que reprime.”
Estudantes, operários e intelectuais uniam-se, pensavam alto em conjunto, lutavam contra as forças policiais com pedras. As greves ameaçavam a ordem instalada. 
Nos Estados Unidos Martin Luther King foi assassinado a 4 de abril de 1968, em Menphis. O racismo e o ódio enraizados na sociedade norte-americana de então não o deixaram viver mais do que 39 anos. Lutador pacífico, incansável e corajoso pelos direitos civis, contra o segregacionismo, já tinha sido alvo de outros dois atentados. Doutor em Teologia e Pastor da Igreja Batista, empenhou a sua vida numa luta pela igualdade de direitos para negros e brancos no seu país, arrastando centenas de milhares de pessoas nas marchas que encabeçou, sempre de forma pacífica. Em 1984 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz. Quatro anos depois, a sua voz calou-se para sempre, quando foi baleado. A sua morte provocou revoltas por todo o país, que provocaram mais de 40 mortos, 3.500 feridos e 27.000 presos. Dois meses depois, a 5 de junho de 1968, o senador Robert Kenedy, (irmão do presidente Kenedy,  assassinado em 1963), foi morto a tiro, durante a sua campanha para as presidenciais.
A juventude unia-se num movimento em uníssono, que foi o ponto de partida das grandes alterações sociais, éticas, políticas e sexuais que marcariam aquele ano de brasa e todos os que se seguiram. A defesa das minorias, dos direitos humanos, da igualdade de géneros, o início dos movimentos ecologistas e a formação das Organizações não Governamentais (ONG) viram a luz do dia e sedimentaram-se mais tarde.
Quem viveu esse ano mágico, mesmo que, depois se tenha desiludido, nunca mais o esqueceu. A imaginação tinha chegado, por momentos, ao poder.

Maria Teresa Sampaio

Martin Luther King

Robert Kenedy 

 Daniel Cohn-Bendit