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terça-feira, 29 de abril de 2014

Look Down That Road

Tudo neste quadro é tumultuado.
A árvore que ocupa a parte central, é uma árvore velha, retorcida, com escassos ramos verdes e uma pedra na base a pontuar a aridez da paisagem.
A terra em redor forma um movimento circular, revolto, onde nasce um caminho cujo tom mais luminoso se confunde com o do céu, carregado de nuvens.
Ao longe, uma casa de aspeto austero, sem janelas.
No centro de tudo está um trabalhador negro, sentado, à sombra da árvore, em cima da sua mala. Magro, roupas largas, com as mãos tombadas entre as pernas em sinal de desalento. O aspeto geral é de desespero.
Representa, muito provavelmente, o tempo, em que, na América, se vivia a Grande Depressão.
A defesa dos direitos humanos vinha longe.
A Ku Klux Klan ainda espalhava o terror e a morte entre a população afro-americana. O racismo e a segregação racial eram a vergonha de um país em que os negros eram explorados e maltratados. Se naquele tempo alguém tivesse meios de predizer que um dia os EUA teriam um presidente negro, seria, certamente enforcado.
A figura que humaniza esta paisagem é a de um homem só, que descansa antes de se fazer ao caminho, em busca de trabalho e de uma vida melhor.

Esta obra faz parte do período de realismo social a que Charles Pollock, o irmão mais velho do pintor de Jackson Pollock pertenceu, antes de enveredar pelo expressionismo abstrato.

Charles Pollock nasceu no dia de Natal de 1902, em Denver, no Colorado e morreu em Paris, em 1988.

mts


Look down that road. 1942. Óleo sobre tela, 96.4 x 122 cm. Smithsonian American Art Museum.


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Graças

O cão parece altivo, alheio à admiração que desperta.
A criança, com um sorriso enternecido, junta as mãos no peito, como que agradecendo a uma entidade superior a dádiva inesperada.
As crianças sabem ser felizes com pouco.
São elas que detêm o segredo da felicidade.

mts


Fotografia de Barbara Sparks. Namaste, Kagbeni, Nepal, 1986

À beira de nada.

No galho mais alto daquela árvore,
no cume daquele monte solitário,
mesmo à beira do abismo,
cresce a saudade que tenho
daquilo que nunca tive.

mts


Fotografia de Eduardo Gageiro

domingo, 27 de abril de 2014

Hora do lanche

Queres um bocadinho? pergunta ele gentilmente.
-Sim, diz a menina, gulosa.
Então abre a boca,  diz ele, com ar de quem manda.
-Está bem. Dá-me só um bocadinho. Mas por que é que abres a boca também quando eu abro?- reparou ela. Estás a imitar-me? perguntou - diz logo ele muito atrapalhado. A boca não lhe obedecia. O que havia ele de fazer.
Os olhos, às vezes, comandam os nossos atos, é o que é.
- Está bem, respondeu a menina, mais interessada em provar do que na resposta do amiguinho. Ummmmmm, disse ela revirando os olhinhos. É bom. Obrigada.
Mais tarde deram as mãos e já se sentiam os melhores amigos.


Fotografia de Adam Wawrzyniak

mts

quinta-feira, 24 de abril de 2014

O meu 25 de Abril

Não sei, ainda, se consigo escrever sobre o 25 de Abril.
Naqueles tempos não escrevia nem lia, vivia.
Foi exatamente essa intensidade do viver, que me tem coibido de descrevê-lo.
Soube cedo, no dia 25 de Abril, que havia um movimento revolucionário de tropas. Faltava ter a certeza que era de esquerda e não da direita de Kaúlza de Arriaga.
O primeiro comunicado lido pela Rádio, anunciava ”Aqui posto de comando das Forças Armadas”. O resto tirou qualquer dúvida.
Deixei os meus filhos, pequeninos, com a minha mãe e assaltei literalmente todas as ruas. Ainda me atrevi a levar o carro, para chegar mais depressa à Baixa, deixei-o na Rua Nova do Almada e aí ficou. Não havia multas. Não se viam polícias. Só militares. Segui-os para todo o lado, comprei-lhes sandes e tabaco, num raro café aberto no Chiado e tive a imensa alegria de ver Marcelo Caetano deixar o Quartel do Carmo, a caminho do exílio.
Era o fim do regime ditatorial que, durante 48 anos, nos tinha oprimido. Portugal renascia.
Gritávamos em uníssono, “fascismo nunca mais”. As palavras de ordem surgiam espontaneamente, sem prévio arranjo.
E eu senti-me parte integrante de uma imensa massa humana que se deslocava para todos os lados, de sorriso largo no rosto, incrédula, palpitante.
Abracei tanta gente que não conhecia e nunca mais vi. Caíamos nos braços uns dos outros e naqueles dias todos éramos amigos e solidários.
Ri e chorei, tantas vezes, de alegria.
Ainda agora, que estou a escrever, sorrio e as lágrimas teimam em cair. Há sentimentos que não se perdem. Ficam guardados dentro de nós, até, um dia, acordarem.
De repente, o sol tinha nascido para todos nós.
As emoções que vivi nesse dia, transparente e puro, e nos dias que se seguiram, são absolutas, excecionais e indizíveis.
Subitamente os sonhos longínquos, amordaçados, as palavras proibidas soltaram-se e o sabor primeiro, fundamental da LIBERDADE incendiou cada momento da minha vida. Era um sentimento tão em botão, tão incandescente que apenas sei dizê-lo através de Fernando Pessoa: “Não sente a liberdade quem nunca viveu constrangido”.
Integrei todas as manifestações, gritei todas as palavras de ordem, que nasciam espontaneamente e logo ecoavam, infringi todas as normas de trânsito e até virei em sentido contrário em plena Av.ª da Liberdade. Não havia sinais, ou, se havia, não os víamos. E, estranhamente, não me lembro de ver acidentes.

Depois, o tempo passou com uma velocidade que já nem nos surpreendia. Tínhamos apanhado rapidamente o ritmo.
Fui esperar Mário Soares e Álvaro Cunhal.
Distribuí cravos vermelhos por todos os caminhos e tudo se passava como se fosse irreal, como se estivéssemos a viver um filme.
Nenhum sonho, alguma vez, poderia ter consubstanciado esta realidade que me ultrapassava a cada instante.
Eu vivia vertiginosamente, com aquela intensidade de quem quer apanhar o futuro já.
Ver a libertação dos presos de Caxias, marchar num 1.º de Maio verdadeiramente irrepetível, assistir ao nascimento das Comissões de Moradores, dos Conselhos de Aldeia e da Reforma Agrária, acompanhar o Movimento das Forças Armadas de norte a sul do país não se explica, não se transmite. O tempo não chega. A minha vida toda não basta para contar o que vi e o que senti.
Ah, como vivi!
Vivi muito.
Senti muito.
Emocionei-me muito.
Ainda hoje canto como Violeta Parra: “gracias a la vida, que me há dado tanto”.
Tudo foi um excesso colorido onde cabíamos todos.
Tínhamos conquistado palmo a palmo a LIBERDADE.
Os meus filhos já podiam crescer livres e o Pedro nunca iria para a guerra colonial.
A PIDE nunca mais voltaria a revistar a nossa casa e nós não voltaríamos a ser presos.
A Pátria já não era lugar de exílio.
Portugal era uma terra nova, onde brotavam todas as experiências.
Umas germinaram, outras não.
Ficou a LIBERDADE.

mts





Fotos de Alfredo Cunha






quarta-feira, 23 de abril de 2014

Dia Mundial do Livro. Provocação.

Dizer o oposto do que se pensa e, contudo, obter a adesão crítica do leitor à sua verdadeira linha de pensamento, é uma arte que muito raros conseguem.

Por isso, não resisto  a publicar, hoje mesmo, este poema de Fernando Pessoa, que adorava provocar e cultivava, com gosto especial, os paradoxos.

LIBERDADE

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa.

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

16 - 3 - 1935

Fernando Pessoa


Foto: © Carla Mascaro

terça-feira, 22 de abril de 2014

O beijo

Sempre se encontravam e todos os dias pareciam o primeiro.
Alheavam-se de tudo, da chuva ou da neve, dos olhares curiosos ou benévolos dos outros.
Vinham de sítios diferentes.
Tinham vidas para trás, já vividas. Mas era como se fosse a primeira. Descobriam-se, desvendando caminhos que já antes tinham trilhado.
Eles próprios se espantavam com a intensidade daquele amor.
O tempo voava quando se iam encontrar.
Tudo, pessoas, neve, o próprio mundo desaparecia quando se abraçavam sem tempo, e davam aquele beijo em que encontravam o seu norte.
Ela soube, então, que tinha achado a resposta para a sua dolorosa questão do passado perdido.
- O que hei de fazer com tanto amor que tenho para dar?
Era ele. Tinham-se encontrado.
Nunca mais se perderam um do outro.

mts


À Catarina e ao Pedro que completam dez anos de casados.


Foto: El Beso by Jure Kravanja

Coração de giz.

Os dias em que desenhavam corações na parede ou nas árvores já passou há muito.
Ela parece querer chamar-lhe a atenção para um tempo perdido.
Ele, com um sorriso benévolo, e a gentileza de outros tempos, carrega-lhe a mala e o chapéu, dá-lhe o braço e sorri, cúmplice.
Ambos sabem, melhor do que o giz na parede, que o coração deles bate em uníssono.

Ambos guardaram na alma as cores vivas da terra e as papoilas que, todos os anos, renascem com a primavera.


Photos by Edmondo Senatore




Alma cigana

A tristeza mora-lhe na alma há gerações.
Só a música consegue atenuá-la por momentos.

Photo: Éva Besnyo, Gypsy, ragazzo con violoncello, Balaton, 1931

sábado, 19 de abril de 2014

Cristo de S. João da Cruz. Dali.

Se há um quadro com história, este é um deles.
Para mim, é a mais bela obra sobre a crucificação, do século XX e talvez de sempre. A menos convencional. A mais simbólica e transcendental. Inevitavelmente, a mais espiritual e mística.
Antes de passar aos antecedentes e à história em si, olhemos bem para o Cristo de S. João da Cruz, de Dalí.
Nada nele aponta para o sofrimento absoluto, para a dor lancinante que foi infligida a Cristo. Nada nos remete para a crueza e o sadismo das torturas. Nada nos convoca para o horror de uma morte infligida sem piedade. Nem sequer o rosto de Cristo é visível, para nos ajudar a imaginar o seu sofrimento.
Olhemos.
O que nos diz o olhar?
A cruz e Cristo formam um todo, que já não faz parte deste mundo.
Ascende num claro-escuro, sobre a estranha calma de uma baía, a de Porto Lligat, onde o pintor vivia.
Os braços de Cristo formam um triângulo com a cruz, estando a cabeça no centro. Temos a sensação de estar a admirá-lo de um plano superior, que nos permite, até, ver as suas espáduas iluminadas, cuja sombra se projeta na cruz. A cabeça descaída, de cabelo curto, contrariamente às imagens, que, até então, o representavam, é como que o vértice deste triângulo místico. Da parte ierior do corpo pouco mais se vê.
As mãos desenhadas maiores e os pés mais pequenos contribuem para nos sugerir que Cristo sai do quadro.
Mas também podemos estar a olhá-lo de terra. Ou até do meio, entre a paisagem e o Cristo crucificado. Verdadeiramente, não existe um lugar para nós. Onde se pode situar o observador? Em parte alguma. Não há propriamente um lugar para ele e é esse lado impossível, incontido que Dalí apreendeu. Conseguir realizá-lo numa tela é verdadeiramente espantoso.
Olhemos de novo. A ideia de infinito aflora-nos. Ao ocupar a parte superior da tela com a cruz, Dalí conseguiu esse intento.
Cristo já não é, ou nunca foi, deste mundo.
Parece flutuar, porque nada o prende à cruz e esta também se desprende da terra.
Ao olhar para baixo, para a parte terrena do quadro, Cristo vê exatamente a fonte de sofrimento e dor, de que já não participa.
É a redenção que se adivinha.
E essa luz que o banha torna-o simultaneamente real e irreal.
É carne e alma, morte e renascimento.
É uma imagem portadora de Esperança.
Nunca ninguém representara assim a crucificação.

Salvador Domingo Felipe Jacinto Dalí i Domènech, 1º Marquês de Dalí de Púbol, conhecido apenas como Salvador Dalí, nasceu a 11 de maio de 1904, em Figueres, Catalunha, Espanha. e morreu, aos 84 anos, no mesmo local de nascimento, a 23 de janeiro de 1989.
Quando estalou a Guerra Civil de Espanha, Dalí partiu para os Estados Unidos, de onde só regressou, após a II Guerra Mundial, quando Franco já se encontrava no poder. Com fama, e proveito, de vermelho, anarquista, blasfemo, excêntrico e, em tudo, excessivo, inimigo da moralidade burguesa, do patriotismo e anticlerical, naturalmente que lhe era vedada a entrada na Espanha do caudilho. Tornou-se, então, católico, o que lhe facilitava a entrada em Espanha e favorecia a sua imagem aos olhos de Franco. Foi  excluído do movimento surrealista, mas Dalí bem podia clamar que o surrealismo era ele. Assim como também era simbolista. e hiper-realista. Assim como se tornou no último dos místicos, representante de uma longa linhagem de místicos espanhóis.
Fortemente abalado pela bomba atómica de Hiroxima, admirador da Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica, Dalí afirmou que um “sonho cósmico” lhe revelou, em 1950, que o núcleo do átomo - a própria unidade do Universo - é Cristo.

“A explosão atómica de 6 de Agosto de 1945 tinha-me abalado sismicamente. […] Quero ver e compreender a força das leis ocultas das coisas, para me tornar mestre delas. Para penetrar no coração da realidade, tenho a intuição genial que disponho de uma arma extraordinária: o misticismo, ou seja a intuição profunda do que é, a comunicação imediata com o todo, a visão absoluta, pela graça da verdade, pela graça divina.”(1)

A partir de 1949 e durante a década seguinte, atravessa a etapa mística e nuclear da sua vida, cujo corpo teórico está contido no Manifesto Místico  e que se caracteriza pela aparição de temas religiosos e outros, relacionados  com os avanços científicos da época, em particular os progressos da  fusão e  fissão nucleares
Dalí anunciava a morte do academismo.
Reclamava para si o êxtase, à imagem e semelhança de Santa Teresa de Ávila, e a capacidade de “olhar a beleza nos olhos.”
Foi nesse estado intensamente profético, que compreendeu “que os meios de expressão pictóricos foram inventados, de uma vez por todas, com o máximo de perfeição e eficácia, pelo Renascimento e que a decadência da pintura moderna advinha do ceticismo e da falta de fé, ambos consequência do materialismo mecanicista”.(2)

“Eu, Dali, reatualizando o misticismo espanhol, vou provar, através da minha obra, a unidade do universo, mostrando a espiritualidade em toda a sua substância”(3)

Entretanto, conheceu o padre Carmelita, Bruno de Jesus Maria, que privava com artistas e intelectuais e lhe deu a conhecer um notável desenho da crucificação, de há quase 400 anos, que tinha sido realizado por um monge num momento de êxtase. Tratava-se de S. João da Cruz, que, no século XVI se tornou um dos mais importantes místicos da Igreja Católica. O seu desenho, num pedaço de papel, preservado pelos monges do Mosteiro de Ávila, até aos nossos dias, é, mesmo de acordo com as normas da arte moderna, verdadeiramente extraordinário e não está muito longe do surrealismo.
A primeira vez que viu esse desenho, ficou de tal maneira impressionado, que, mais tarde, na Califórnia, teve uma visão:

“Vi Cristo em sonhos, na mesma posição mas na paisagem de Port Lligat e ouvi vozes que me diziam: ”Dalí tens de pintar esse Cristo!”

Inicialmente, tinha intenção de incluir na tela os habituais atributos da crucificação, pregos, sangue, coroa de espinhos, mas num segundo sonho apareceu-lhe apenas a beleza metafísica de Cristo-Deus, despojado de tudo e em vez dos pescadores de Port Lligat, uma figura extraída de uma pintura de Velásquez e outra de um desenho de Le Nain.
Foi então que começou a trabalhar geometricamente um triângulo e um círculo, que, esteticamente, resumem todas as experiências anteriores, e nesse triângulo inscreveu o seu Cristo,  segundo escreveu no rodapé dos estudos para o Cristo de São João da Cruz. Em vários desenhos vê-se a aproximação ao resultado final, no qual consegue obter a perspetiva da levitação, de Cristo flutuando sobre a cruz e sobre nós, humanidade.
Para concretizar esta técnica fotorrealista, Dalí conseguiu, (durante os anos que passou nos EUA) com a ajuda de amigos influentes em Hollywood, que um duplo, Russel Saunders, posasse para ele, preso a uma cruz, suspenso por cabos, do teto do estúdio, de forma a conseguir o ângulo desejado para o desenho. Já em Espanha, trabalhou, então, sobre as várias fotografias tiradas, traçando sobre elas as linhas que o levaram a encontrar o ponto de fuga do horizonte e a dividir o quadro.
A cruz e Cristo formam um todo, não violentamente cravado, mas livremente assumido. Há um jogo de direções que se centram sobre esse Cristo-Deus que derrama a sua luz sobre o mundo, curvando-se sobre o mar e os pescadores.
Disse Dali:

“A minha ambição estética para este quadro era oposta a todos os Cristos pintados pela maioria dos pintores modernos, que o interpretaram no sentido expressionista e contorcionista, provocando a emoção através da fealdade. A minha principal preocupação era pintar um Cristo belo como o próprio Deus que ele encarna.”

De tudo isto resultou, eventualmente, a obra mais humana e, contudo, mais irreal e mística que, alguma vez, se pintou sobre a crucificação de Cristo.

Em 1951 o quadro foi exposto pela primeira vez numa Galeria de Londres. As críticas foram humilhantes. Foi, depois, exposto, na Glasgow Art Gallery e Dalí vendeu-o por 8.200 libras, cedendo igualmente os direitos de autor, à Corporação da cidade de Glasgow. A polémica sobre a sinceridade da sua visão religiosa não esmoreceu. No fim da sua vida, afirmou numa entrevista que acreditava em Deus, mas não tinha fé e receava morrer sem a alcançar.

O Céu, dizia, ”não se encontra nem no alto, nem em baixo, nem à direita, nem à esquerda, o Céu está exatamente no centro do peito do homem que tem fé.”

Cristão ou ateu, ninguém fica indiferente a este quadro, o menos surrealista da obra de Dali, mas também aquele em que melhor se expressa a técnica fotorrealista, e em que consegue aliar o misticismo de São João da Cruz a uma visão espiritualista do futuro.  

“Desejo pintar “um Cristo que seja a antítese absoluta do Cristo materialista e selvaticamente anti místico de Grunewald”, disse Dali e conseguiu o seu sonho da forma menos convencional possível, mas também a mais bela.

O “Cristo de São João da Cruz marcou definitivamente o séc. XX e continua a convocar o nosso olhar, assombrado, para uma imagem espiritual que se perspetiva numa nova forma de exploração espacial.

mts


(1), (2), (3), In Dali. Gille Néret, Le Monde, dans Le Musée du Monde, 2005, Série 2.

Fontes:
A Vida Privada das Obras Primas: Cristo de São João da Cruz, de Salvador Dalí in http://www.hagah.com.br/
Wikipédia
Documentário: Salvador Dalí - Le Christ de Saint Jean de la Croix, You Tube
http://oseculoprodigioso.blogspot.pt/
http://esteticavisualfavufg.blogspot.pt/2009/12/estetica-do-hiperrealismo.html
Magie des extremes, Les Étudescarmélitaines. DDB.1952
Le fantastique angélique et prophétique de Salvador Dali, dans Cahiers de Bordeax. 1957.
Dali. Gille Néret, Le Monde, dans Le Musée du Monde, 2005, Série 2.




Cristo de São João da Cruz. Salvador Dalí. 1951.
Óleo sobre tela, 205x116 cm
The Glasgow Art Gallery


Estudo para o Cristo de São João da Cruz. 1951






Desenho da Crucificação por São João da Cruz



Detalhes de "A Crucificação" de Grünewald.  1512-1516

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Gabriel García Márquez não tem fim


"Ele ainda era demasiado jovem para saber que a memória do coração elimina as coisas más e amplia as coisas boas, e que graças a esse artifício conseguimos suportar o peso do passado." In 'O Amor nos Tempos de Cólera'

Imaginava-o eterno. 
Nunca pensei que um dia seria o último.
Receava ouvir notícias más sobre ele e, quando elas se me impunham, rapidamente as esquecia.
Foi e continua a ser parte integrante da minha vida.
Relia os seus livros e sentia-me feliz por me tornar uma personagem desse realismo mágico, que me envolvia num encantamento onde até a minha vida assumia novos contornos, cores mais vibrantes e um acréscimo de emoções que turbilhonavam os meus dias. Ele era o único escritor que conseguia essa magia.
Pode parecer excessivo dizer que, para mim, não partiu para sempre. Mas é a pura verdade.
Foi apenas mais uma viagem que fez.

Gabriel García Márquez  não tem fim.

mts

sábado, 12 de abril de 2014

Muito bom, ADRIANA

Nunca alimentei expectativas em relação à minha netinha.
Aceito-a e amo- como é, com os seus tenros seis aninhos, quase sete.
Aprendi com a vida que é melhor não esperar nada, para não ter mais desilusões. Se aparece uam coisa boa inesperada, sabe muito melhor.
Por isso exultei de alegria quando, há algum tempo,  aprendeu a ler .
Agora vieram as notas do 2.º período, que transcrevo,  porque sinto-me como um enorme balão das cores do arco-íris, que sobe no céu até chegar ao infinito.

Trata-se do 1.º ano do ensino básico, que, no meu tempo, era a primeira classe.

 Avaliação intermédia:
  • Português:94% / Muito Bom
  • Matemática: 100% / Muito Bom
 Avaliação 
formativa
:
  • Português:96% / Muito Bom
  • Matemática: 92% / Muito Bom
  • Estudo do meio 98% / Muito bom
  • Expressões artísticas e físico motoras: Muito Bom
  • Educação religiosa e moral: Muito Bom
  • Educação para a cidadania: Bom (nota máxima)
  • Apoio ao estudo: Bom (nota máxima)
Actividades de enriquecimento curricular:
  • Inglês: Muito Bom
  • Actividade Física e desportiva:Muito Bom
  • Inglês:Muito Bom
Avaliação global: 

Muito Bom


Quando a Catarina foi à reunião de notas e, depois, voltou para casa, a Adriana, perguntou com ansiedade mal disfarçada:
- Tive uma boa nota, mamã,
- Tiveste muito bom a tudo, meu amor.
Houve sorrisos do tamanho do mundo, abraços e beijos. Parabéns.

Hoje, a cena repetiu-se comigo. 
A minha felicidade não cabe dentro de mim.
Eu sei que sou intensa e excessiva. 
Por isso quando sofro, é como se me arrancassem um pouco do coração.
Por isso também, quando sou feliz, o sol e a lua moram na casa do meu ser e o infinito parece-me cada vez mais próximo.
Até a linha do horizonte desaparece e encurtam-se todas as distâncias.
Quando não se espera nada e se recebe uma coisa muito boa, sabe imensamente melhor.
A  minha vida tem sido difícil, o meu caminho tem sido rochoso, mas, agora, Deus deu-me este prémio maravilhoso, a ADRIANA.
Para além dos filhos, Pedro e Catarina, que são o melhor da minha vida.