A 28 de agosto de 1963 realizou-se a célebre "Marcha sobre Washington", em prol da liberdade, de empregos, de mais segurança para os negros americanos, contra a discriminação racial. Esta manifestação pelos direitos civis, excedeu em número de participantes (brancos, negros, de todas as profissões e estudantes) tudo o que havia sido sonhado pelos seus organizadores. Num clima de enorme tensão social, 250 mil pessoas participaram ordeiramente na marcha e puderam ouvir um dos mais importantes e incontornáveis discursos de sempre, da História americana, proferido pelo jovem reverendo batista, Martin Luther King, um incansável lutador pelos direitos humanos, pela não violência, que haveria de receber o Prémio Nobel da Paz, no ano seguinte (1964) e seria brutalmente assassinado em 1968, em Menphis.
Peça de oratória única e memorável, magistralmente dito, praticamente de improviso, sem poupar a emoção, o discurso ficou universalmente conhecido, mais ainda, pela frase sincopadamente repetida, "I have a dream" (Eu tenho um sonho) e por outra "Let freedom ring" (Que a Liberdade ressoe).
O poder incontestado destas palavras proferidas por aquele que era o verdadeiro líder moral dos Estados Unidos, ecoou na multidão emocionada. Em 1964 e 1965, seriam sucessivamente aprovadas a Lei dos Direitos Civis e a Lei sobre o Direito de Votar.
A América nunca mais seria a mesma. Algumas décadas depois, em 2009, seria eleito o primeiro Presidente afro-americano, Barack Obama.
(mts)
O poder incontestado destas palavras proferidas por aquele que era o verdadeiro líder moral dos Estados Unidos, ecoou na multidão emocionada. Em 1964 e 1965, seriam sucessivamente aprovadas a Lei dos Direitos Civis e a Lei sobre o Direito de Votar.
A América nunca mais seria a mesma. Algumas décadas depois, em 2009, seria eleito o primeiro Presidente afro-americano, Barack Obama.
(mts)
«EU TENHO UM SONHO»
Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda lamentavelmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem anos mais tarde, o Negro continua a viver numa ilha isolada de pobreza, no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda definha nas margens da sociedade americana, exilado na sua própria terra.
Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramaticamente mostrarmos esta extraordinária situação. Num certo sentido, viemos à capital do nosso país para descontar um cheque. Quando os arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, estavam a assinar uma promissória de que cada cidadão americano se tornaria herdeiro.
Este documento era uma promessa de que todos os homens veriam garantidos os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca de felicidade. É óbvio que a América ainda hoje não pagou tal promissória no que concerne aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar este compromisso sagrado, a América deu ao Negro um cheque sem cobertura; um cheque que foi devolvido com a seguinte inscrição: "saldo insuficiente". Porém nós recusamo-nos a aceitar a ideia de que o banco da justiça esteja falido. Recusamo-nos a acreditar que não exista dinheiro suficiente nos grandes cofres de oportunidades deste país.
Por isso viemos aqui cobrar este cheque - um cheque que nos dará, quando o recebermos, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça. Também viemos a este lugar sagrado para lembrar à América a clara urgência do agora. Não é o momento de nos darmos alo luxo de adiar nem de tomar a pílula tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as promessas da Democracia. Agora é tempo de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o iluminado caminho da justiça racial. Agora é tempo de abrir as portas da oportunidade para todos os filhos de Deus. Agora é tempo de retirar o nosso país das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade.
Seria fatal para a nação não levar a sério a urgência do momento e subestimar a determinação do Negro. Este sufocante verão de legítimo descontentamento do Negro não passará até que chegue o revigorante outono da liberdade e igualdade. 1963 não é um fim, mas um começo. Aqueles que crêem que o Negro precisava só de desabafar, e que a partir de agora ficará sossegado, irão acordar sobressaltados se o País regressar à sua vida de sempre. Não haverá tranquilidade nem descanso na América até que o Negro tenha garantido todos os seus direitos de cidadania.
Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir as fundações do nosso País até que desponte o luminoso dia da justiça. Existe algo, porém, que devo dizer ao meu povo que se encontra no caloroso limiar que conduz ao palácio da justiça. No percurso para ganharmos o nosso legítimo lugar não devemos ser culpados de actos errados. Não tentemos satisfazer a sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio.
Temos de conduzir a nossa luta sempre no nível elevado da dignidade e disciplina. Não devemos deixar que o nosso protesto realizado de uma forma criativa degenere em violência física. Teremos de nos erguer uma e outra vez às alturas majestosas para enfrentar a força física com a força da consciência.
Esta maravilhosa nova militância que envolveu a comunidade negra não nos deve levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos dos nossos irmãos brancos, como é claro pela sua presença aqui, hoje, estão conscientes de que os seus destinos estão ligados ao nosso destino, e que sua liberdade está intrinsecamente ligada à nossa liberdade.
Não podemos caminhar sozinhos. À medida que caminhamos, devemos assumir o compromisso de marcharmos em frente. Não podemos retroceder. Há quem pergunte aos defensores dos direitos civis: "Quando é que ficarão satisfeitos?" Não estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos incontáveis horrores da brutalidade policial. Não poderemos estar satisfeitos enquanto os nossos corpos, cansados das fadigas da viagem, não conseguirem ter acesso a um lugar de descanso nos motéis das estradas e nos hotéis das cidades. Não poderemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade fundamental do Negro for passar de um gueto pequeno para um maior. Nunca poderemos estar satisfeitos enquanto um Negro no Mississipi não puder votar e um Negro em Nova Iorque achar que não há nada pelo qual valha a pena votar. Não, não, não estamos satisfeitos, e só ficaremos satisfeitos quando a justiça correr como a água e a rectidão como uma poderosa corrente.
Sei muito bem que alguns de vocês chegaram aqui após muitas dificuldades e tribulações. Alguns de vocês saíram recentemente de pequenas celas de prisão. Alguns de vocês vieram de áreas onde a busca de liberdade vos deixou marcas provocadas pelas tempestades da perseguição e sofrimentos provocados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês são veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé em que um sofrimento injusto é redentor.
Voltem para o Mississipi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para a Luisiana, voltem para as bairros de lata e para os guetos das nossas modernas cidades, sabendo que, de alguma forma, esta situação pode e será alterada. Não nos afundemos no vale do desespero.
Digo-vos, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho, que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais".
Tenho um sonho, que um dia nas montanhas rubras da Geórgia os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos poderão sentar-se à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho, que um dia o estado do Mississipi, um estado deserto, sufocado pelo calor da injustiça e da opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Tenho um sonho, que os meus quatro filhos pequenos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu caráter.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho, que um dia o estado de Alabama, cujo governador actualmente pronuncia palavras de recusa, seja transformado de forma a que pequenos rapazes negros, e raparigas negras, possam dar-se as mãos com outros pequenos rapazes brancos, e raparigas brancas, caminhando juntos, lado a lado, como irmãos e irmãs.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho, que um dia todo os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas, os lugares ásperos serão polidos, e os lugares tortuosos serão endireitados, e a glória do Senhor será revelada, e todos os seres a verão, conjuntamente.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com a qual regresso ao Sul. Com esta fé seremos capazes de retirar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar as dissonantes discórdias de nossa nação numa bonita e harmoniosa sinfonia de fraternidade. Com esta fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a prisão juntos, ficarmos juntos em posição de sentido pela liberdade, sabendo que um dia seremos livres.
Esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado: "O meu país é teu, doce terra de liberdade, de ti eu canto. Terra onde morreram os meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, que de cada localidade ressoe a liberdade".
E se a América quiser ser uma grande nação isto tem que se tornar realidade. Que a liberdade ressoe então dos prodigiosos cabeços do Novo Hampshire. Que a liberdade ressoe das poderosas montanhas de Nova Iorque. Que a liberdade ressoe dos elevados Alleghenies da Pensilvania!
Que a liberdade ressoe dos cumes cobertos de neve das montanhas Rochosas do Colorado!
Que a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia!
Mas não só isso; que a liberdade ressoe da Montanha de Pedra da Geórgia!
Que a liberdade ressoe da Montanha Lookout do Tennessee!
Que a liberdade ressoe de cada Montanha e de cada pequena elevação do Mississipi.
Que de cada localidade, a liberdade ressoe.
Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos ressoar em cada vila e em cada aldeia, em cada estado e em cada cidade, seremos capazes de apressar o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar as palavras da antiga canção negra: "Liberdade finalmente! Liberdade finalmente! Louvado seja Deus, Todo Poderoso, estamos livres, finalmente!"