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sábado, 31 de dezembro de 2016

Passagem de Ano


É a surpresa a envolver cada amanhã,
como  novelo embrulhado pelo tempo,
que nos atrai para novas marés de sonhos
e renovados desejos desde sempre bordados
com mãos-cheias de boas intenções.

Contam-se os dias para o final de cada ano
com a ansiedade de quem quer saltar
fronteiras e do lado de lá descobrir
um mundo melhor, num ímpeto de boa vontade.

Crianças grandes, que somos, queremos sempre
mais: paz, amor, saúde, prosperidade, justiça, sucesso
e sempre  tudo envolvido em muita felicidade,
imensa alegria, intenso júbilo e infinitas bênçãos.

No final nada de novo. Tudo se repete num
circular eterno retorno. Um ano acaba
e, um minuto depois, outro começa, alheio
à velha sabedoria do que atrás fica,
audaz e quase pueril na sua incontida ânsia
de tudo fazer melhor, sem repetir erros.

Por isso Te peço a radiosa Esperança
de acreditar que tudo é possível,
mesmo quando o negrume dos dias
parece uma estrada sem fim.

Peço-Te ainda forças para suportar
sem desespero toda a espécie de dores
que tiver de sofrer, sem nada amaldiçoar .

Dá-nos o sol dos tempos benditos
e que nós saibamos aproveitá-lo
para criar o alimento dos dias futuros,
para nos darmos as mãos fraternamente,
e para amarmos sempre como quem ama
pela primeira e única vez.

31 de dezembro de 2016
 Maria Teresa Sampaio 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Num beijo

Das tuas e das minhas mãos
nascem gestos impensados de ternura.
Na concha da noite
no musgo suave dos dias
na madrugada das nossas vidas
ou no calor rubro do pôr do sol
modelamos o corpo do amor
com a alegria e o ardor primitivo   
do sol fecundando a terra.
No mais recôndito dos teus olhos
mergulho o meu ser  sedento
de ocultos mistérios a afundo-me
na subversiva voracidade de um beijo.
Com paixão transpomos o limiar
da entrega e apoderamo-nos da vida
como ondas do oceano  que nada
temem porque tudo superam.  

Amamos com a loucura
de um sentir lúcido.

Teresa Sampaio
Andrea Paolini Merlo


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O tempo e a vida

Passam velozes os dias
e eu no meu intenso modo de ser
quase ultrapasso  minutos horas e anos
sem me importar com o tempo
tão arbitrariamente medido.
O tempo que eu transcendo
porque a minha vida vai-se vivendo
independentemente de tudo
com poesia dedicação e aprendizagem.
E eu  alegre ou triste
rindo de mim própria ou das situações
gemendo com as dores que me habitam
nem parando para viver mais devagar
acabo por ver sempre o copo meio cheio
e por me sentir feliz por todos quantos
povoam com carinho  a minha vida.
Mas mais do que tudo sinto-me grata
pelos filhos que tenho: centro e raiz de tudo
o que de bom me acontece
luz cor primavera mar  e montanha
sonho que de semente se fez flor e fruto
minha terra e meu céu
meus únicos e verdadeiros grandes amores.

7 de dezembro de 2016
Maria Teresa Sampaio







sábado, 3 de dezembro de 2016

Amor

Não sei viver sem me perder
no claro fundo do teu olhar
que me agarra e me liberta
não sei viver sem as tuas mãos
que se me dão em vislumbres de ternura
em gestos vagamente pressentidos
como sonhos a nascer em botão
não sei viver sem a tua boca
o teu sorriso irónico e bondoso
os teus lábios como frutos polpudos
não sei viver  sem a tua sombra
sem a surpresa dos teus passos leves
sem a música das tuas palavras
apenas sussurradas ou talvez sonhadas
sem o teu delirante sentido de humor
sem o teu riso e as nossas gargalhadas

É tão simples afinal
não sei viver sem ti Amor.
*
3 de Dezembro de 2016
Maria Teresa Sampaio
Tony Chow  - The Passion 


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

MORTE DE FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa fumava cerca de quatro maços de tabaco diariamente e bebia, bebia muito. Nos últimos tempos de sua vida as cólicas abdominais e os estados febris, por vezes intensos, eram cada vez mais frequentes. 
O médico avisara-o já que tinha de parar. Mas Pessoa não lhe deu ouvidos e prosseguiu o seu caminho alheado da terrível realidade, que funcionara como uma sentença a pairar sobre a sua vida, embora tantas vezes ele próprio tivesse escrito sobre a morte.
No dia 29 de novembro de 1935, ainda chamou o Sr. Manassés, barbeiro, que morava bem perto de si, na rua Coelho da Rocha, em Campo de Ourique, mas acabou por ser hospitalizado no Hospital de São Luís dos Franceses, no Bairro Alto, com uma crise hepática grave. Já na cama, pressentindo o fim, pediu papel e lápis para escrever as suas últimas palavras, na forma enigmática que lhe era tão peculiar. Não usou o português, mas sim um inglês literário:

”I know not what tomorrow wil bring”.

No dia seguinte, a 30 de novembro de 1935, Fernando Pessoa deixou-nos. Eram cerca das 20 horas.

Ocorrem-me as suas palavras proféticas: “Tornando-me assim, pelo menos um louco que sonha alto, pelo mais, não um só escritor, mas toda uma literatura, quando não contribuísse para me divertir, o que para mim já era bastante, contribuo talvez para engrandecer o universo, porque quem, morrendo, deixa escrito um verso belo deixou mais ricos os céus e a terra e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente.” (“Aspectos” , Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966)

Fernando Pessoa foi a enterrar no Cemitério dos Prazeres, no dia 2 de dezembro de 1935. Luís de Montalvor discursou em nome dos sobreviventes do grupo do Orpheu. Fisicamente o Escritor deixara-nos, mas a verdadeira importância da sua obra ainda iria ser descoberta, reconhecida, estudada e traduzida para todo o mundo, até aos dias de hoje.

Fernando Pessoa era sensitivo e disso nos apercebemos em muitas dos seus escritos, como este do Livro do Desassossego em que diz:

“ Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, terei enfim a gente que me «compreenda», os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já morrido há muito. Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que teve, quando vivo.
      Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse.”

É por isso que esta minha e vossa página se intitula “Fernando Pessoa: "Passo e fico, como o Universo."

Lisboa, 30 de novembro de 2016
Maria Teresa Sampaio
Última fotografia de Fernando Pessoa, aos 47 anos, no ano
da sua morte, 
em 1935,  tirada por Augusto Ferreira Gomes.