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domingo, 18 de fevereiro de 2018

Vida

Viver é lutar
É sofrer e sonhar
Mas é também saber aceitar.
É perder e de novo começar
Com a esperança de que algo melhor acontecerá.
.... 
 Maria Teresa Sampaio
Pablo Picasso 







quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Sfumato

Nasci

na luz meridional do amor
a minha vida floriu e tocou o céu
como o galho mais alto de um pinheiro esguio

vivo

 entre a claridade dos dias longos
e as sombras das noites estelares

moro

entre cumes e abismos

morro

no deserto dos dias
se tu não vens 
 ...

Maria Teresa Sampaio


Rente [Dia de São Valentim]

Rente à alma tocas-me o corpo
e na maré-cheia do amor renasço
como esta madrugada que vejo
amanhecer da janela onde moram
recônditos todos os sonhos

....
Maria Teresa Sampaio


Vieste [Dia de São Valentim]

Vieste
Senti-te ainda longe
quando não eras esperado
Só o vago sentimento de júbilo
absolutamente inexplicável
e o muito suave tremor no corpo
me anunciaram a tua vinda.

Vieste
A primavera nasceu súbita
com o perfume das rosas
e o aroma dos frutos suaves
nas agruras do inverno.

Vieste
como música
como lava
e os diques romperam-se
no tumulto dos beijos,
na  quentura dos abraços.
...
Maria Teresa Sampaio








Dia de São Valentim



Como um navio naufragado
procuro-te no oceano deste tempo incerto
e regresso às raízes do espaço sonhado.
Também tu aportas jubiloso
ao cais da minha alegria.
Morro por vezes sabendo que depois
renasço no calor dos teus beijos.
Moras na casa do meu ser
desde tempos imemoriais,
quando comecei a tentar perceber
o mistério insondável da vida
e os seus intangíveis labirintos.
Por isso é difícil partires.
Eu reconstruo a filigrana do sonho
quando o nevoeiro se adensa à minha volta
ou a saudade do que não vivi
vem dilacerar o coração da alvorada.
...
Maria Teresa Sampaio

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A Polónia perdeu a memória?

A Polónia é um caso paradoxal entre os países ocupados pelas forças nazis. Dilacerada pelos colapsos que se têm verificado ao longo da sua história e por reconstruções que assentam invariavelmente num nacionalismo alicerçado no apoio indefectível da igreja católica, a Polónia continua, ainda assim, em tempo de paz, a padecer de angústias identitárias bem enraizadas na sua memória coletiva.
O senado polaco aprovou, no dia 31 de janeiro de 2018, uma lei que proíbe a menção de “campos de morte polacos”, “campos de extermínio polacos” e “campos de concentração polacos”, sob pena de quem a infringir ter de pagar pesadas multas e até ir parar à prisão por um período que pode ir até aos três anos. Se  pode ser compreensível o esforço de correção terminológica, sobretudo porque tais campos, como aliás todos sabem, apesar de situados na Polónia ocupada durante a II Guerra Mundial, eram de factos nazis, já a tolerância se esvai por completo quando nos apercebemos que a mesma lei proíbe igualmente qualquer acusação contra “o Estado polaco, ou a nação polaca, de responsabilidade ou cumplicidade nos crimes cometidos pelo Terceiro Reich alemão.”
A Polónia foi um dos países europeus que mais sofreu com a invasão das tropas de Hitler (a que se seguiu a ocupação soviética), tendo morrido mais de seis milhões de polacos, dos quais três milhões eram judeus. O país foi completamente esventrado e fragmentado para servir os apetites imperialistas de Hitler e de Estaline, mas não houve, como em França, um governo fantoche e colaboracionista com o Reich.
O Yad Vashem, centro mundial da memória do Holocausto, (em Jerusalém) estima que entre 30 mil e 35 mil judeus — cerca de 1% dos judeus polacos — foram salvos por cidadãos polacos e, por isso, prestou homenagem com o título honorífico de "Justos entre as Nações" a mais de 6700 desses salvadores, o maior número de um só país.
Tudo isto é verdade, mas é apenas uma parte da verdade. A outra parte, aquela que desde há décadas os sucessivos governos pretendem ocultar sob a máscara da tolerância polaca é, afinal, a de um antissemetismo ultraconservador e católico em que a responsabilidade histórica e secular do clero polaco é determinante na difusão da judeofobia, não podendo, moralmente, ficar isento de culpa na realização de pogroms pelo povo, antes, durante e depois do final da II Guerra Mundial.  “A rua tornou-se um elo entre os antissemitas polacos e os hitlerianos”, afirmou o etnólogo Emanuel Ringelblum, que verificou como na sua própria sociedade, particularmente em Varsóvia, entre outubro de 1939 e novembro de 1940, recrudescia  a extrema violência contra os judeus. Esta ideia foi partilhada por Jan Karsky no seu relatório de Fevereiro para o governo polaco no exílio: “a nação odeia o seu inimigo mortal mas a questão judaica cria de certo modo uma plataforma estreita onde se encontram de acordo [sublinhado por Karski] os alemães e uma grande parte da sociedade polaca”. Também num telegrama enviado para Londres, em 21 de setembro de 1941, já depois da entrada em ação dos famigerados Eisatzgruppen, o general Grot-Rowecki (chefe das forças armadas do interior (AK – movimento da resistência polaca), pedia ao governo polaco no exílio que fosse “levado em conta, como facto perfeitamente estabelecido, que a maioria do país mostra disposições antissemitas”.
O mito medieval da demonização dos judeus, considerados agentes de Satanás, foi alimentado pela hierarquia dominante da Igreja Católica polaca, que pregava a ideia do povo judeu como deísta, antes, durante e após o final da II Guerra Mundial. O medo do estranho, do diferente, das forças ocultas serviu perfeitamente os desígnios nacionalistas e fortemente identitários do poder político e religioso, aliados na reconstrução de uma Polónia homogénea, que se fechou sobre si própria, e vê nos judeus (também nos ciganos e nos homossexuais) inimigos do reforço e coesão do Estado polaco. Ao binómio ser polaco é ser católico, o oposto continua igualmente verdadeiro: ser judeu é sinónimo de antinacional, com todas as consequências negativas da estigmatização, incluindo a segregação, na lógica do apartheid e da exclusão.
A ideia da punição, o furor legalista e vindicativo que o senado polaco se arroga agora não é novidade. Já no final dos anos 60 se tentava isentar a Polónia da suspeita de antissemitismo. Através de uma censura eficaz, aliada à propaganda oficial ultra nacionalista, antissemita e xenófoba, pretendia-se apagar qualquer especificidade da shoa, inflacionando o número de judeus salvos por polacos e, em última análise, levando a cabo uma tentativa de expurgar de toda essência judaica  as vítimas  do genocídio.
Se não deve ser esquecido o papel da Resistência Polaca no apoio que deu à revolta do Gueto de Varsóvia, nem a ajuda abnegada de tantos polacos que, sob pena de morte, socorreram os seus vizinhos judeus, também não deve, de forma nenhuma, ser branqueado o antissemitismo virulento que continuou a manifestar-se mesmo depois do final da guerra. De acordo com Paul Zawadzki ( professor de Ciências Sociais e de Filosofia Política na Universidade de Paris) calcula-se que entre 1944 e 1947 tenham sido assassinados entre 1500 a 2000 judeus. Eclodiram vários pogroms, nomeadamente o de o de Cracóvia, em 11 de Agosto de 1945, o de Parczew, a 5 de fevereiro de 1946 e o de Kielce, a 4 de julho do mesmo ano, tendo morrido neste último 42 judeus. Não faltam testemunhos de assassinatos, por todo o território, de sobreviventes judeus ― indivíduos isolados, grupos ou famílias ―  que procuravam regressar aos lugares onde tinham as suas habitações, para recuperar as suas oficinas, ou o que poderia ainda restar dos seus bens. Uma intensa emigração judaica seguiu-se a toda esta onda antissemita, cerca de 100 mil judeus fugiram do país e entre aqueles que ficaram, o instinto de autopreservação levava-os a não revelarem a sua certidão de nascimento, a ocultarem as suas origem e hábitos e, frequentemente, a mudarem de nome.
Os folhetos e brochuras antissemitas continuarem a publicar-se, foram profanados cemitérios judeus, a sinagoga de Lodz foi invadida e rasgados os livros sagrados  e as palavras de ordem em murais atingiram uma agressividade inaudita, como a que se lia no monumento de Umschlgplatz, no verão de 1990: “Um bom judeu é um judeu morto”. O termo judeu continua a ter conotações negativas e injuriosas, sendo frequentemente aplicado como um epíteto contra um adversário.
O arianismo e por oposição o judaísmo não são conceitos despidos de sentido na Polónia atual. Em novembro de 2017, cerca de 60 mil polacos celebraram o dia da independência, numa manifestação em que ostentaram símbolos fascistas, gritaram palavras de ordem xenófobas e racistas, por uma “Polónia pura, Polónia branca e de sangue limpo”, numa clara alusão ao que era conhecido como “essa infeliz categoria de sangue misturado”, resultante dos casamentos mistos com judeus. Segundo a Associated Press, numa das faixas exibida pelos manifestantes lia-se “Por uma irmandade entre as nações brancas da Europa, “Deus, honra, pátria”, “Glória aos nossos heróis”, “Morte aos inimigos da pátria” e “Queremos Deus”, que era o lema do ano. O antissemitismo já não foi apenas a ideia prevalecente, uma vez que a ele se juntou a islamofobia.
Houve alguma manifestação de desconforto por parte das autoridades? Não, pelo contrário, o ministro do Interior Mariusz Blaszak mostrou abertamente o seu agrado, dizendo que era “uma coisa bonita de se ver”.
A atual iniciativa legislativa não surge, portanto, desgarrada. Insere-se no atribulado contexto histórico, religioso e sociopolítico polaco.
A Polónia parece ter perdido a serenidade e também a memória.  
Maria Teresa Sampaio 




sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Tu sabes

Num deserto sem sombras
num jardim sem flores
ou num tempo sem voz
tu sabes, é assim que 
existo para ti.

Maria Teresa Sampaio

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018


Nós nunca nos realizamos. 
Somos dois abismos — um poço fitando o Céu.


 Fernando Pessoa

                        In  Livro do Desassossego, Edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim. Setembro. 1998. Trecho 11
Poço Iniciático da Quinta da Regaleira, Sintra.
Fotografia de Pedro Simões.

[Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,]

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
      Nem cumpre o que deseja,
      Nem deseja o que cumpre.

Ricardo Reis
29 - 7 - 1923
Foto di Elliott Erwitt

A paixão nua

A paixão nua e cega dos estios 
Atravessou a minha vida como rios 

Sophia de Mello Breyner Andresen

In O Nome das Coisas
Amir Sedaghatkish

Da maneira mais simples

É apenas o começo. Só depois dói,
e se lhe dá nome.
Ás vezes chamam-lhe paixão. Que pode
acontecer da maneira mais simples:
umas gotas de chuva no cabelo.
Aproximas a mão, os dedos
desatam a arder inesperadamente,
recuas de medo. Aqueles cabelos,
as suas gotas de água são o começo,
apenas o começo. Antes
do fim terás de pegar no fogo
e fazeres do inverno
a mais ardente das estações.


Eugénio de Andrade

In 'Os Sulcos da Sede'

Fotografia de Rober Doisneau

Cantas.

Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor é tudo teu;
mas quando cessa o teu canto
o silêncio é todo meu.

Eugénio de Andrade

In As Mãos e os Frutos
© Dariusz Langrzyk