Meu amor perdido, não te choro mais, que eu não te perdi!
Porque posso perder-te na rua, mas não posso perder-te no
ser,
Que o ser é o mesmo em ti e em mim.
Muito é ausência, nada é perda!
Todos os mortos — gente, dias, desejos,
Amores, ódios, dores, alegrias —
Todos estão apenas em outro continente...
Chegará a vez de eu partir e ir vê-los.
De se reunir a família e os amantes e os amigos
Em abstracto, em real, em perfeito
Em definitivo e divino.
Reunir-me-ei em vida e morte
Aos sonhos que não realizei
Darei os beijos nunca dados,
Receberei os sorrisos, que me negaram,
Terei em forma de alegria as dores que tive...
Ah, comandante, quanto tarda ainda
A partida do transatlântico?
Faz tocar a banda de bordo —
Músicas alegres, banais, humanas, como a vida —
Faz partir, que eu quero partir...
Som do erguer do ferro, meu estertor
Quando é que por fim eu te ouvirei?
Fremir do costado pela pulsação das máquinas —
Meu coração no bater final convulso —,
[Toque de vigias, suspiros do porto?]
(...)
Lenços a acenarem-me do cais em que ficam...
Até mais tarde, até quando vierdes, até sempre!
Até o eterno em alegre Agora,
Até o (...)
s.d.
Álvaro de Campos
In “A Partida”. Álvaro de Campos - Livro de
Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição,
organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.
aves
de sombra e solidão. Somos
só folhas e o seu rumor. Inseguros,
incapazes de ser flor, até
a brisa nos perturba e faz tremer. Por
isso a cada gesto que fazemos Cada
ave se transforma noutro ser.
o
Outono? Por que janela
o
deixaste entrar? És tu quem
canta
em surdina, ou a luz
espessa
das suas folhas?
Em
que rio te despes para sonhar?
É
comigo que voltas
a
ter quinze anos e corres
contra
o vento até te perderes
na
curva da estrada?
A
quem dás a mão e confias
um
segredo? Diz-me,
diz-me,
para que possa habitar
um
a um os meus dias.
A 28 de agosto de 1963 realizou-se a célebre "Marcha sobre Washington", em prol da liberdade, de empregos, de mais segurança para os negros americanos, contra a discriminação racial. Esta manifestação pelos direitos civis, excedeu em número de participantes (brancos, negros, de todas as profissões e estudantes) tudo o que havia sido sonhado pelos seus organizadores. Num clima de enorme tensão social, 250 mil pessoas participaram ordeiramente na marcha e puderam ouvir um dos mais importantes e incontornáveis discursos de sempre, da História americana, proferido pelo jovem reverendo batista, Martin Luther King, um incansável lutador pelos direitos humanos, pela não violência, que haveria de receber o Prémio Nobel da Paz, no ano seguinte (1964) e seria brutalmente assassinado em 1968, em Menphis.
Peça de oratória única e memorável, magistralmente dito, praticamente de improviso, sem poupar a emoção, o discurso ficou universalmente conhecido, mais ainda, pela frase sincopadamente repetida, "I have a dream" (Eu tenho um sonho) e por outra "Let freedom ring" (Que a Liberdade ressoe). O poder incontestado destas palavras proferidas por aquele que era o verdadeiro líder moral dos Estados Unidos, ecoou na multidão emocionada. Em 1964 e 1965, seriam sucessivamente aprovadas a Lei dos Direitos Civis e a Lei sobre o Direito de Votar. A América nunca mais seria a mesma. Algumas décadas depois, em 2009, seria eleito o primeiro Presidente afro-americano, Barack Obama. (mts)
«EU TENHO UM SONHO»
Há cem anos, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos, assinava a Proclamação da Independência. Essa lei fundamental foi como um raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça. Veio como uma aurora feliz para terminar a longa noite do cativeiro. Mas, cem anos mais tarde, devemos enfrentar a realidade trágica de que o Negro ainda não é livre.
Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda lamentavelmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem anos mais tarde, o Negro continua a viver numa ilha isolada de pobreza, no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda definha nas margens da sociedade americana, exilado na sua própria terra.
Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramaticamente mostrarmos esta extraordinária situação. Num certo sentido, viemos à capital do nosso país para descontar um cheque. Quando os arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de Independência, estavam a assinar uma promissória de que cada cidadão americano se tornaria herdeiro.
Este documento era uma promessa de que todos os homens veriam garantidos os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca de felicidade. É óbvio que a América ainda hoje não pagou tal promissória no que concerne aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar este compromisso sagrado, a América deu ao Negro um cheque sem cobertura; um cheque que foi devolvido com a seguinte inscrição: "saldo insuficiente". Porém nós recusamo-nos a aceitar a ideia de que o banco da justiça esteja falido. Recusamo-nos a acreditar que não exista dinheiro suficiente nos grandes cofres de oportunidades deste país.
Por isso viemos aqui cobrar este cheque - um cheque que nos dará, quando o recebermos, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça. Também viemos a este lugar sagrado para lembrar à América a clara urgência do agora. Não é o momento de nos darmos alo luxo de adiar nem de tomar a pílula tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as promessas da Democracia. Agora é tempo de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o iluminado caminho da justiça racial. Agora é tempo de abrir as portas da oportunidade para todos os filhos de Deus. Agora é tempo de retirar o nosso país das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade.
Seria fatal para a nação não levar a sério a urgência do momento e subestimar a determinação do Negro. Este sufocante verão de legítimo descontentamento do Negro não passará até que chegue o revigorante outono da liberdade e igualdade. 1963 não é um fim, mas um começo. Aqueles que crêem que o Negro precisava só de desabafar, e que a partir de agora ficará sossegado, irão acordar sobressaltados se o País regressar à sua vida de sempre. Não haverá tranquilidade nem descanso na América até que o Negro tenha garantido todos os seus direitos de cidadania.
Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir as fundações do nosso País até que desponte o luminoso dia da justiça. Existe algo, porém, que devo dizer ao meu povo que se encontra no caloroso limiar que conduz ao palácio da justiça. No percurso para ganharmos o nosso legítimo lugar não devemos ser culpados de actos errados. Não tentemos satisfazer a sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio.
Temos de conduzir a nossa luta sempre no nível elevado da dignidade e disciplina. Não devemos deixar que o nosso protesto realizado de uma forma criativa degenere em violência física. Teremos de nos erguer uma e outra vez às alturas majestosas para enfrentar a força física com a força da consciência.
Esta maravilhosa nova militância que envolveu a comunidade negra não nos deve levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos dos nossos irmãos brancos, como é claro pela sua presença aqui, hoje, estão conscientes de que os seus destinos estão ligados ao nosso destino, e que sua liberdade está intrinsecamente ligada à nossa liberdade.
Não podemos caminhar sozinhos. À medida que caminhamos, devemos assumir o compromisso de marcharmos em frente. Não podemos retroceder. Há quem pergunte aos defensores dos direitos civis: "Quando é que ficarão satisfeitos?" Não estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos incontáveis horrores da brutalidade policial. Não poderemos estar satisfeitos enquanto os nossos corpos, cansados das fadigas da viagem, não conseguirem ter acesso a um lugar de descanso nos motéis das estradas e nos hotéis das cidades. Não poderemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade fundamental do Negro for passar de um gueto pequeno para um maior. Nunca poderemos estar satisfeitos enquanto um Negro no Mississipi não puder votar e um Negro em Nova Iorque achar que não há nada pelo qual valha a pena votar. Não, não, não estamos satisfeitos, e só ficaremos satisfeitos quando a justiça correr como a água e a rectidão como uma poderosa corrente.
Sei muito bem que alguns de vocês chegaram aqui após muitas dificuldades e tribulações. Alguns de vocês saíram recentemente de pequenas celas de prisão. Alguns de vocês vieram de áreas onde a busca de liberdade vos deixou marcas provocadas pelas tempestades da perseguição e sofrimentos provocados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês são veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé em que um sofrimento injusto é redentor.
Voltem para o Mississipi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para a Luisiana, voltem para as bairros de lata e para os guetos das nossas modernas cidades, sabendo que, de alguma forma, esta situação pode e será alterada. Não nos afundemos no vale do desespero.
Digo-vos, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho, que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais".
Tenho um sonho, que um dia nas montanhas rubras da Geórgia os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos poderão sentar-se à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho, que um dia o estado do Mississipi, um estado deserto, sufocado pelo calor da injustiça e da opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Tenho um sonho, que os meus quatro filhos pequenos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu caráter.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho, que um dia o estado de Alabama, cujo governador actualmente pronuncia palavras de recusa, seja transformado de forma a que pequenos rapazes negros, e raparigas negras, possam dar-se as mãos com outros pequenos rapazes brancos, e raparigas brancas, caminhando juntos, lado a lado, como irmãos e irmãs.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho, que um dia todo os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas, os lugares ásperos serão polidos, e os lugares tortuosos serão endireitados, e a glória do Senhor será revelada, e todos os seres a verão, conjuntamente.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com a qual regresso ao Sul. Com esta fé seremos capazes de retirar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar as dissonantes discórdias de nossa nação numa bonita e harmoniosa sinfonia de fraternidade. Com esta fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a prisão juntos, ficarmos juntos em posição de sentido pela liberdade, sabendo que um dia seremos livres.
Esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado: "O meu país é teu, doce terra de liberdade, de ti eu canto. Terra onde morreram os meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, que de cada localidade ressoe a liberdade".
E se a América quiser ser uma grande nação isto tem que se tornar realidade. Que a liberdade ressoe então dos prodigiosos cabeços do Novo Hampshire. Que a liberdade ressoe das poderosas montanhas de Nova Iorque. Que a liberdade ressoe dos elevados Alleghenies da Pensilvania!
Que a liberdade ressoe dos cumes cobertos de neve das montanhas Rochosas do Colorado!
Que a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia!
Mas não só isso; que a liberdade ressoe da Montanha de Pedra da Geórgia!
Que a liberdade ressoe da Montanha Lookout do Tennessee!
Que a liberdade ressoe de cada Montanha e de cada pequena elevação do Mississipi.
Que de cada localidade, a liberdade ressoe.
Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos ressoar em cada vila e em cada aldeia, em cada estado e em cada cidade, seremos capazes de apressar o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar as palavras da antiga canção negra: "Liberdade finalmente! Liberdade finalmente! Louvado seja Deus, Todo Poderoso, estamos livres, finalmente!"
[África do Sul, 18 de Julho 1918 – 5 Dezembro 2013]
Tudo o que eu pudesse dizer em abono deste homem superior,
que escolheu a tolerância quando teria sido tão fácil optar pelos caminhos do
ódio, após a libertação do cárcere onde passou grande parte da sua vida (27
anos) seria escasso e soar-me-ia sempre a pouco. Chamei-lhe homem superior no
sentido da sabedoria que ele próprio adquiriu nos bons e nos maus momentos da
sua vida e da luta do seu povo, porque, como disse, “uma boa cabeça e um bom
coração formam sempre uma combinação formidável.” Este homem foi capaz de se
dominar e superar, porque só ele era o “capitão” da sua alma.
Ele foi o líder único que promoveu a coragem onde havia
medo, o acordo onde existia conflito.
Ele soube inspirar esperança onde havia tanto desespero e
revolta, legítimos, contra o racismo e a opressão.
Ele foi o homem que corporizou a luta contra o mais desumano
e injusto sistema político ‒ o apartheid.
Ele sabiamente conduziu o seu povo à liberdade, tendo dele
recebido a maior prova de confiança, que poderia esperar, ao ser investido no
cargo supremo de primeiro Presidente da África do Sul livre e democrática.
Finalmente, este foi o homem que o mundo respeitou e que a
Academia Sueca reconheceu como o justo vencedor do Prémio Nobel da Paz de 1993.
Para mim Nelson Mandela foi e continua a ser o maior líder
político e moral do nosso tempo. E, como as suas palavras nunca foram ocas nem
vãs, nada melhor do que transcrever alguns dos seus pensamentos, para que as
novas gerações que não o conheceram saibam que, mesmo em tempos como os que
vivemos, onde os valores e a ética parece estar ausentes, o exemplo de Nelson
Mandela continua a ser como um farol na noite escura.
"Os ideais que acalentamos, os nossos sonhos mais
íntimos e as nossas esperanças mais ardentes podem não ser concretizados no
nosso tempo de vida. Mas isso não é o mais importante. A consciência de termos
cumprido o nosso dever e de termos estado à altura das expectativas dos nossos
contemporâneos é em si mesma uma experiência gratificante e uma conquista
magnífica"
"Quando penso no passado, no tipo de coisas que me
fizeram, sinto-me furioso, mas, mais uma vez, isso é apenas um sentimento. O
cérebro sempre domina e diz-me: tens um tempo limitado de estadia na Terra e
deves tentar usar esse período para transformar o teu país naquilo que
desejas.”
“A educação é o grande motor do desenvolvimento pessoal. É
através dela que a filha de um camponês se torna médica, que o filho de um
mineiro pode chegar a chefe de mina, que um filho de trabalhadores rurais pode
chegar a presidente de uma grande nação.”
“Nenhum poder na Terra é capaz de deter um povo oprimido,
determinado a conquistar sua liberdade.”
No final da sua vida, Nelson Mandela pôde, por fim,
repousar. Simplesmente cumpriu o que disse:
“A morte é inevitável. Quando um homem fez o que considera
seu dever para com seu povo e seu país, pode descansar em paz.”
Sonhar Mais um sonho impossível Lutar Quando é fácil ceder Vencer o inimigo invencível Negar quando a regra é vender Sofrer a tortura implacável Romper a incabível prisão Voar num limite improvável Tocar o inacessível chão É minha lei, é minha questão Virar esse mundo Cravar esse chão Não me importa saber Se é terrível demais Quantas guerras terei que vencer Por um pouco de paz E amanhã, se esse chão que eu beijei For meu leito e perdão Vou saber que valeu delirar E morrer de paixão E assim, seja lá como for Vai ter fim a infinita aflição E o mundo vai ver uma flor Brotar do impossível chão
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Chico Buarque .......................................................................... DE TODAS AS MANEIRAS
De todas as maneiras Que há de amar Nós já nos amamos Com todas as palavras feitas pra sangrar Já nos cortamos Agora já passa da hora Tá linddo lá fora Larga a minha mão Solta as unhas do meu coraçãao Que ele está apressado E desanda a bater desvairado Quando entra o verão
De todas as maneiras que há de amar Já nos machucamos Com todas as palavras feitas pra humilhar Nos afagamos Agora já passa da hora Tá lindo lá fora Larga a minha mão Solta as unhas do meu coração Que ele está apressado E desanda a bater desvairado Quando entra o verão
Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acbou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Hoje você é quem manda Falou, tá falado Não tem discussão, não A minha gente hoje anda Falando de lado E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão
Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Eu pergunto a você Onde vai se esconder Da enorme euforia
Como vai proibir Quando o galo insistir Em cantar Água nova brotando E a gente se amando Sem parar Quando chegar o momento Esse meu sofrimento Vou cobrar com juros, juro Todo esse amor reprimido Esse grito contido Este samba no escuro Você que inventou a tristeza Ora, tenha a fineza De desinventar Você vai pagar e é dobrado Cada lágrima rolada Nesse meu penar
Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Inda pago pra ver O jardim florescer Qual você não queria Você vai se amargar Vendo o dia raiar Sem lhe pedir licença E eu vou morrer de rir Que esse dia há de vir Antes do que você pensa
Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Você vai ter que ver A manhã renascer E esbanjar poesia Como vai se explicar Vendo o céu clarear De repente, impunemente Como vai abafar Nosso coro a cantar Na sua frente
Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Você vai se dar mal Etc. e tal Lá lá lá lá laia
Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido por Chico Buarque, nasceu a 19 Junho de 1944 no Rio de Janeiro, Brasil. Escritor, poeta e dramaturgo, tem sido sempre um lutador incansável pela democracia e pela liberdade. Como músico é considerado um dos nomes maiores da música popular brasileira.
Como ele cantou uma vez, a propósito da nossa revolução de Abril:
"Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar"
Muito navegámos, desde então, mas o que o que nos une é a língua portuguesa. É o nosso traço de união, a matriz das palavras e dos sonhos que acalentamos.. Para ti, Chico, guardámos os cravos de abril e o cheirinho a alecrim. Ainda estão viçosos.