[Atlanta, 15 de janeiro de 1929 —
Memphis, 4 de abril de 1968]
Não poderia deixar de assinalar o aniversário deste homem
excecional ― ativista pelos direitos civis dos negros nos EUA e no mundo ―
lutador incansável pelos direitos humanos, numa época de feroz segregação
racial, à qual respondia com a desobediência civil, liderando protestos e
marchas, sempre praticando a não violência.
O seu exemplo, a sua luta também
contra a pobreza e a guerra no Vietname tornaram-no um líder universalmente
admirado e respeitado. Em 1964 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz, mas
esta honra e reconhecimento internacionais não impediram que o ódio
segregacionista no seu país fosse avante e a 4 de abril de 1968 foi
brutalmente assassinado em Menphis. Aos 39 anos de idade morria o homem, mas
não as suas ideias e exemplo.
Lamentavelmente os EUA têm hoje um presidente racista, que
parece nada ter aprendido com a história. Que os justos e lúcidos do seu país o
impeçam de continuar.
Discurso de Martin Luther King, Jr. em Washington, D.C., a
28 de Agosto de 1963, após a «Marcha para Washington por Emprego e Liberdade»,
perante mais de 250.000 pessoas de todas as etnias.
“A manifestação foi
pensada como uma maneira de divulgar de uma forma dramática as condições de
vida desesperadas dos negros no Sul dos Estados Unidos, e exigir ao poder
federal um maior comprometimento na segurança física dos negros e dos
defensores dos direitos civis, sobretudo no Sul. Foram então apresentadas
reivindicações óbvias: o fim da segregação no ensino público, legislação clara
no que respeita aos direitos civis, assim como de legislação proibindo a
discriminação racial no emprego; o fim da brutalidade policial contra
militantes dos direitos civis e a criação de um salário mínimo para todos os
trabalhadores.
Realizada num clima muito tenso, a manifestação foi um
estrondoso sucesso, e o discurso conhecido sobretudo pela frase permanentemente
repetida no meio do discurso «I have a Dream» (Eu tenho um sonho), mas também
pela frase que é repetida no fim - «That Liberty Ring» (Que a Liberdade
ressoe), que retoma o poema patriótico «América», tornou-se, com o discurso de
Lincoln em Gettysburg, um dos mais importantes da oratória americana.
Em 1964 a Lei dos Direitos Civis foi votada e promulgada por
Lyndon B. Johnson e em 1965 a Lei sobre o Direito de Votar foi aprovada.
Há cem anos, um grande americano, sob cuja sombra simbólica
nos encontramos, assinava a Proclamação da Independência. Essa lei fundamental foi como um raio de luz de esperança para milhões de escravos
negros que tinham sido marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça.
Veio como uma aurora feliz para terminar a longa noite do cativeiro. Mas, cem
anos mais tarde, devemos enfrentar a realidade trágica de que o Negro ainda não
é livre.
Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda lamentavelmente
dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem
anos mais tarde, o Negro continua a viver numa ilha isolada de pobreza, no meio
de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda
definha nas margens da sociedade americana, exilado na sua própria
terra.
Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramaticamente
mostrarmos esta extraordinária situação. Num certo sentido, viemos à capital do
nosso país para descontar um cheque. Quando os arquitetos da nossa república
escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de
Independência, estavam a assinar uma promissória de que cada cidadão americano
se tornaria herdeiro.
Este documento era uma promessa de que todos os homens
veriam garantidos os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca de
felicidade. É óbvio que a América ainda hoje não pagou tal promissória no que
concerne aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar este compromisso sagrado, a
América deu ao Negro um cheque sem cobertura; um cheque que foi devolvido com a
seguinte inscrição: "saldo insuficiente". Porém nós recusamo-nos a
aceitar a ideia de que o banco da justiça esteja falido. Recusamo-nos a
acreditar que não exista dinheiro suficiente nos grandes cofres de
oportunidades deste país.
Por isso viemos aqui cobrar este cheque - um cheque que nos
dará, quando o recebermos, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.
Também viemos a este lugar sagrado para lembrar à América a clara urgência do
agora. Não é o momento de nos darmos alo luxo de adiar nem de tomar
a pílula tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as
promessas da Democracia. Agora é tempo de sairmos do vale escuro e desolado
da segregação para o iluminado caminho da justiça racial. Agora é tempo de
abrir as portas da oportunidade para todos os filhos de Deus. Agora é tempo
de retirar o nosso país das areias movediças da injustiça racial para a rocha
sólida da fraternidade.
Seria fatal para a nação não levar a sério a urgência do
momento e subestimar a determinação do Negro. Este sufocante verão de legítimo
descontentamento do Negro não passará até que chegue o revigorante outono da
liberdade e igualdade. 1963 não é um fim, mas um começo. Aqueles que crêem que
o Negro precisava só de desabafar, e que a partir de agora ficará sossegado,
irão acordar sobressaltados se o País regressar à sua vida de sempre. Não
haverá tranquilidade nem descanso na América até que o Negro tenha garantido
todos os seus direitos de cidadania.
Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir as fundações
do nosso País até que desponte o luminoso dia da justiça. Existe algo, porém,
que devo dizer ao meu povo que se encontra no caloroso limiar que conduz ao
palácio da justiça. No percurso para ganharmos o nosso legítimo lugar não devemos
ser culpados de actos errados. Não tentemos satisfazer a sede de liberdade
bebendo da taça da amargura e do ódio.
Temos de conduzir a nossa luta sempre no nível elevado da
dignidade e disciplina. Não devemos deixar que o nosso protesto realizado de
uma forma criativa degenere em violência física. Teremos de nos erguer uma e
outra vez às alturas majestosas para enfrentar a força física com a força da
consciência.
Esta maravilhosa nova militância que envolveu a comunidade
negra não nos deve levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos
dos nossos irmãos brancos, como é claro pela sua presença aqui, hoje, estão
conscientes de que os seus destinos estão ligados ao nosso destino, e que sua
liberdade está intrinsecamente ligada à nossa liberdade.
Não podemos caminhar sozinhos. À medida que caminhamos,
devemos assumir o compromisso de marcharmos em frente. Não podemos retroceder.
Há quem pergunte aos defensores dos direitos civis: "Quando é que ficarão
satisfeitos?" Não estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos
incontáveis horrores da brutalidade
policial. Não poderemos estar satisfeitos enquanto os nossos corpos, cansados
das fadigas da viagem, não conseguirem ter acesso a um lugar de descanso nos
motéis das estradas e nos hotéis das cidades. Não poderemos estar satisfeitos
enquanto a mobilidade fundamental do Negro for passar de um gueto pequeno para
um maior. Nunca poderemos estar satisfeitos enquanto um Negro no Mississipi não
puder votar e um Negro em Nova Iorque achar que não há nada pelo qual valha a
pena votar. Não, não, não estamos satisfeitos, e só ficaremos satisfeitos
quando a justiça correr como a água e a rectidão como uma poderosa corrente.
Sei muito bem que alguns de vocês chegaram aqui após muitas
dificuldades e tribulações. Alguns de vocês saíram recentemente de pequenas
celas de prisão. Alguns de vocês vieram de áreas onde a busca de
liberdade vos deixou marcas provocadas pelas tempestades da perseguição e
sofrimentos provocados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês são
veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé em que um
sofrimento injusto é redentor.
Voltem para o Mississipi, voltem para o Alabama, voltem para
a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para a Luisiana, voltem para
as bairros de lata e para os guetos das nossas modernas cidades, sabendo que,
de alguma forma, esta situação pode e será alterada. Não nos afundemos no vale do desespero.
Digo-vos, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e
frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente
enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho, que um dia esta nação levantar-se-á e viverá
o verdadeiro significado da sua crença: "Consideramos estas verdades como
evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais".
Tenho um sonho, que um dia nas montanhas rubras da Geórgia os
filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos
poderão sentar-se à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho, que um dia o estado do Mississipi, um estado
deserto, sufocado pelo calor da injustiça e da opressão, será transformado num
oásis de liberdade e justiça.
Tenho um sonho, que os meus quatro filhos pequenos viverão um
dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade
do seu caráter.
Tenho um sonho, que um dia o estado de Alabama, cujo governador actualmente pronuncia palavras de recusa, seja transformado de forma a que pequenos rapazes negros, e raparigas negras, possam dar-se as
mãos com outros pequenos rapazes brancos, e raparigas brancas, caminhando
juntos, lado a lado, como irmãos e irmãs.
Tenho um sonho, que um dia todo os vales serão elevados,
todas as montanhas e encostas serão
niveladas, os lugares ásperos serão polidos, e os lugares tortuosos
serão endireitados, e a glória do Senhor será revelada, e todos os seres a
verão, conjuntamente.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com a qual regresso ao
Sul. Com esta fé seremos capazes de retirar da montanha do desespero uma pedra
de esperança. Com esta fé poderemos transformar as dissonantes discórdias de
nossa nação numa bonita e harmoniosa sinfonia de fraternidade. Com esta fé
poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a prisão
juntos, ficarmos juntos em posição de sentido pela liberdade, sabendo que um
dia seremos livres.
Esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão
cantar com um novo significado: "O meu país é teu, doce terra de
liberdade, de ti eu canto. Terra onde morreram os meus pais, terra do orgulho
dos peregrinos, que de cada localidade ressoe a liberdade".
E se a América quiser ser uma grande nação isto tem que se
tornar realidade. Que a liberdade ressoe então dos prodigiosos cabeços do Novo
Hampshire. Que a liberdade ressoe das poderosas montanhas de Nova Iorque. Que a
liberdade ressoe dos elevados Alleghenies da Pensilvania!
Que a liberdade ressoe dos cumes cobertos de neve das
montanhas Rochosas do Colorado!
Que a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia!
Mas não só isso; que a liberdade ressoe da Montanha de Pedra
da Geórgia!
Que a liberdade ressoe da Montanha Lookout do Tennessee!
Que a liberdade ressoe de cada Montanha e de cada pequena
elevação do Mississipi.
Que de cada localidade, a liberdade ressoe.
Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a
deixarmos ressoar em cada vila e em cada aldeia, em cada estado e em cada cidade,
seremos capazes de apressar o dia em que todos os filhos de Deus, negros e
brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e
cantar as palavras da antiga canção negra: "Liberdade finalmente!
Liberdade finalmente! Louvado seja Deus, Todo Poderoso, estamos livres,
finalmente!"
Five score years ago, a great American, in whose symbolic
shadow we stand signed the Emancipation Proclamation. This momentous decree
came as a great beacon light of hope to millions of Negro slaves who had been
seared in the flames of withering injustice. It came as a joyous daybreak to
end the long night of captivity. But one hundred years later, we must face the
tragic fact that the Negro is still not free.
One hundred years later, the life of the Negro is still
sadly crippled by the manacles of segregation and the chains of discrimination.
One hundred years later, the Negro lives on a lonely island of poverty in the
midst of a vast ocean of material prosperity. One hundred years later, the
Negro is still languishing in the corners of American society and finds himself
an exile in his own land.
So we have come here today to dramatize an appalling
condition. In a sense we have come to our nation's capital to cash a check.
When the architects of our republic wrote the magnificent words of the
Constitution and the Declaration of Independence, they were signing a
promissory note to which every American was to fall heir.
This note was a promise that all men would be guaranteed the
inalienable rights of life, liberty, and the pursuit of happiness. It is
obvious today that America has defaulted on this promissory note insofar as her
citizens of color are concerned. Instead of honoring this sacred obligation,
America has given the Negro people a bad check which has come back marked
"insufficient funds." But we refuse to believe that the bank of
justice is bankrupt. We refuse to believe that there are insufficient funds in
the great vaults of opportunity of this nation.
So we have come to cash this check -- a check that will give
us upon demand the riches of freedom and the security of justice. We have also
come to this hallowed spot to remind America of the fierce urgency of now. This
is no time to engage in the luxury of cooling off or to take the tranquilizing
drug of gradualism. Now is the time to rise from the dark and desolate valley
of segregation to the sunlit path of racial justice. Now is the time to open
the doors of opportunity to all of God's children. Now is the time to lift our
nation from the quicksands of racial injustice to the solid rock of
brotherhood.
It would be fatal for the nation to overlook the urgency of
the moment and to underestimate the determination of the Negro. This sweltering
summer of the Negro's legitimate discontent will not pass until there is an
invigorating autumn of freedom and equality. Nineteen sixty-three is not an
end, but a beginning. Those who hope that the Negro needed to blow off steam
and will now be content will have a rude awakening if the nation returns to
business as usual. There will be neither rest nor tranquility in America until
the Negro is granted his citizenship rights.
The whirlwinds of revolt will continue to shake the
foundations of our nation until the bright day of justice emerges. But there is
something that I must say to my people who stand on the warm threshold which
leads into the palace of justice. In the process of gaining our rightful place
we must not be guilty of wrongful deeds. Let us not seek to satisfy our thirst
for freedom by drinking from the cup of bitterness and hatred.
We must forever conduct our struggle on the high plane of
dignity and discipline. we must not allow our creative protest to degenerate
into physical violence. Again and again we must rise to the majestic heights of
meeting physical force with soul force.
The marvelous new militancy which has engulfed the Negro
community must not lead us to distrust of all white people, for many of our
white brothers, as evidenced by their presence here today, have come to realize
that their destiny is tied up with our destiny and their freedom is inextricably
bound to our freedom.
We cannot walk alone. And as we walk, we must make the
pledge that we shall march ahead. We cannot turn back. There are those who are
asking the devotees of civil rights, "When will you be satisfied?" we
can never be satisfied as long as our bodies, heavy with the fatigue of travel,
cannot gain lodging in the motels of the highways and the hotels of the cities.
We cannot be satisfied as long as the Negro's basic mobility is from a smaller
ghetto to a larger one. We can never be satisfied as long as a Negro in
Mississippi cannot vote and a Negro in New York believes he has nothing for
which to vote. No, no, we are not satisfied, and we will not be satisfied until
justice rolls down like waters and righteousness like a mighty stream.
I am not unmindful that some of you have come here out of
great trials and tribulations. Some of you have come fresh from narrow cells.
Some of you have come from areas where your quest for freedom left you battered
by the storms of persecution and staggered by the winds of police brutality.
You have been the veterans of creative suffering. Continue to work with the
faith that unearned suffering is redemptive.
Go back to Mississippi, go back to Alabama, go back to
Georgia, go back to Louisiana, go back to the slums and ghettos of our northern
cities, knowing that somehow this situation can and will be changed. Let us not
wallow in the valley of despair.
I say to you today, my friends, that in spite of the
difficulties and frustrations of the moment, I still have a dream. It is a
dream deeply rooted in the American dream.
I have a dream that one day this nation will rise up and
live out the true meaning of its creed: "We hold these truths to be
self-evident: that all men are created equal."
I have a dream that one day on the red hills of Georgia the
sons of former slaves and the sons of former slaveowners will be able to sit
down together at a table of brotherhood.
I have a dream that one day even the state of Mississippi, a
desert state, sweltering with the heat of injustice and oppression, will be
transformed into an oasis of freedom and justice.
I have a dream that my four children will one day live in a
nation where they will not be judged by the color of their skin but by the
content of their character.
I have a dream that one day the state of Alabama, whose
governor's lips are presently dripping with the words of interposition and
nullification, will be transformed into a situation where little black boys and
black girls will be able to join hands with little white boys and white girls
and walk together as sisters and brothers.
I have a dream that one day every valley shall be exalted,
every hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plain,
and the crooked places will be made straight, and the glory of the Lord shall
be revealed, and all flesh shall see it together.
This is our hope. This is the faith with which I return to
the South. With this faith we will be able to hew out of the mountain of
despair a stone of hope. With this faith we will be able to transform the
jangling discords of our nation into a beautiful symphony of brotherhood. With
this faith we will be able to work together, to pray together, to struggle together,
to go to jail together, to stand up for freedom together, knowing that we will
be free one day.
This will be the day when all of God's children will be able
to sing with a new meaning, "My country, 'tis of thee, sweet land of
liberty, of thee I sing. Land where my fathers died, land of the pilgrim's
pride, from every mountainside, let freedom ring."
And if America is to be a great nation, this must become
true. So let freedom ring from the prodigious hilltops of New Hampshire. Let
freedom ring from the mighty mountains of New York. Let freedom ring from the
heightening Alleghenies of Pennsylvania!
Let freedom ring from the snowcapped Rockies of Colorado!
Let freedom ring from the curvaceous peaks of California!
But not only that; let freedom ring from Stone Mountain of
Georgia!
Let freedom ring from Lookout Mountain of Tennessee!
Let freedom ring from every hill and every molehill of
Mississippi.
From every mountainside, let freedom ring.
When we let freedom ring, when we let it ring from every
village and every hamlet, from every state and every city, we will be able to
speed up that day when all of God's children, black men and white men, Jews and
Gentiles, Protestants and Catholics, will be able to join hands and sing in the
words of the old Negro spiritual, "Free at last! free at last! thank God
Almighty, we are free at last!"
Martin Luther King en Memorial Park, Washington (1963).