Por tudo quanto disseste, sentiste, amaste e escreveste, na luz deste país meridional, nos anos acorrentados, em que ousaste manifestar o teu desdém e a tua revolta; pelo 25 de Abril de 1974, que tu cantaste, como ninguém mais o fez, em cinco versos apenas, com uma simplicidade única, que tem a marca do teu génio; pela tua vida íntegra, corajosa e apaixonada, SOPHIA, há muito que merecias a homenagem, que só dez anos depois te prestaram..
Esta foi, de outra forma, "a madrugada que eu esperava" e tu, Poeta maior de todos os nossos tempos, passados e atuais, tu és "Puro espírito do êxtase e do vento", que, "Na clara paisagem essencial e pobre", viveste sempre "segundo a lei da liberdade, /Segundo a lei da exacta eternidade." (In No Tempo Dividido)
Por todos nós tu pranteaste como ninguém os dias da mais violenta insídia:
PRANTO PELO DIA DE HOJE
Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que nem podem sequer ser bem descritas
In Livro VI - III - As Grades
ESTA GENTE
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meus canto se renova
E recomeço a busca
Dum país liberto
Duma vida limpa
E dum tempo justo.
In Geografia
25 DE ABRIL
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
In O Nome das Coisas
Dois dias apenas, depois do 25 de Abril, tu escreveste, com a voz de um povo:
REVOLUÇÃO
Como casa limpa Como chão varrido Como porta aberta
Como puro início Como tempo novo Sem mancha nem vício
Como a voz do mar Interior de um povo
Como a voz do mar Interior de um povo
Como página em branco Onde o poema emerge
Como arquitectura Do homem que ergue Sua habitação.
27 - 4 - 1974
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Tu disseste aquilo que muitos gostariam de ter sabido dizer e não souberam:
Eu nunca pedi nada porque era
Completa a minha esperança.*
Só tu soletraste o amor de forma tão pura e cristalina:
PRECE
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
In
No Tempo Dividido
A PAIXÃO NUA
A paixão nua e cega dos estios
Atravessou a minha vida como rios
In O Nome das Coisas
EU BUSCO O RASTRO DE ALGUÉM
Eu busco o rastro de alguém
Que o mar reflecte e contém.
Calma que eterniza as suas horas,
Ou tumulto que vibra
Nas marés desesperadas e sonoras.
Eu busco o rastro de alguém
Que ao meu encontro vem
No sonho de cada linha.
Alguém
Que no silêncio dos pinhais caminha,
Rio correndo, chama
Em tudo acesa.
Alguém que me devasta e inflama
Me destrói e me inunda de certeza.
Alguém que me devora,
Ou infinitamente longe me implora
Que venha.
Alguém que se desenha
No perfil dos montes
E sobe do fundo da terra com as fontes.
In Poesia I
Tu cantaste um tempo, que, infelizmente, hoje se repete:
ESTE É O TEMPO
Este é o tempo
Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam
In Mar Novo
Tu moras no centro da nossa singularidade e formulas, como mais ninguém, a nossa ânsia do divino:
COMO O RUMOR
Como o rumor do mar dentro de um búzioO divino sussurra no universoAlgo emerge: primordial projecto
In O Nome das Coisas
AS IMAGENS TRANSBORDAM
As imagens transbordam fugitivasE estamos nus em frente às coisas vivas.Que presença jamais pode cumprirO impulso que há em nós, interminável,De tudo ser e em cada flor florir?
In Dia do Mar
E tudo se conjuga para que, tal como disseste:
UM DIA
Um dia, mortos, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
In Dia do Mar
Quando escreveste este poema, Sophia, tu não sabias que, tantos anos depois, ainda hoje, a Pátria tem o sabor amargo do exílio:
PÁTRIA
Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Dum longo relatório irrecusável
E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas
- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
O minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo
In Livro VI - III - As Grades
Afinal, Sophia, no mais fundo de nós, desejamos:
A PAZ SEM VENCEDOR NEM VENCIDOS
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
In Dual
Passou uma década, desde que nos deixaste, Sophia, e, contudo, prosseguimos a incansável busca de um "país liberto / Duma vida limpa / E dum tempo justo."
ESTA GENTE
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meus canto se renova
E recomeço a busca
Dum país liberto
Duma vida limpa
E dum tempo justo.
In Geografia