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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A cara do riso.

O riso é sagrado e fez-se humano nas crianças
na pura alegria de viver a brincar.

mts

Pure innocence © Rishit Temkar

Sorrisos de luz

Mulher vestida de emoção
na nudez de uma estátua
abraça-se a si própria
e nesse abraço desperta
sentimentos de proximidade
nas crianças que a procuram
e nela se deixam estar
a olhar  a brincar   a aprender
que a carne pode ser de bronze
e os sorrisos felizes podem
ser feitos de serenidade e de luz.

mts 



Artista desconhecido

Lua redonda

Noites em que a lua atravessa a noite,
com um clarão que ilumina os pesadelos
e os transforma em sonhos.
Noites de lua cheia como as marés
que sobem nas praias e descobrem
os amantes em delírios de amor.
Noites que enchem as sombras de luz
e despertam emoções naqueles que
não se importam de sentir desvairadamente.
mts



© Norbert Senser

domingo, 24 de novembro de 2013

Alegria


Austrian orphan child receives a pair of shoes. 
By Gerald Waller

Esta imagem de genuína e sã alegria da criança que recebe um par de sapatos novos, ilumina o meu dia. Já a publiquei outra vez, em outro lugar, mas nunca é demais olhá-la e relembrar como a felicidade reside nas pequenas coisas, nos instantes fugidios de um terno olhar, numas mãos que apenas adejam como asas de pássaro, numa lembrança que nos inunda de saudade e de lágrimas.

A palavra ALEGRIA tem risos, flores e música em cada sílaba. 
Digo ALEGRIA e, logo, sorrio. 
(Não se pode deixar de sorrir quando se pronuncia sincopadamente ALEGRIA.)
Sabe a Primavera e a vermelhos bagos de romãs do Natal.
Lembra o suave marulhar das ondas a desfazer-se na areia da praia.

Dizer ALEGRIA é dizer CRIANÇA feliz.

Dizer ALEGRIA é dizer ADRIANA.

Adão e Eva

Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara 
O par que a alma e a carne lhe pedia.

- E cada um de nós sonhou que o achara...
E entre nós dois 
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente, 
... Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão, 
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.

- O meu nome é Adão...

E em que furor sagrado 
Os nossos corpos nus e desejosos 
Como serpentes brancas se enroscaram, 
Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos 
Que as nossas pobres bocas se atiraram, 
Sobre um leito de terra, cinza e pó!

Ó abraços que os braços apertaram, 
Dedos que se misturaram!

Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri, 
Sede que nada mata, ânsia sem fim! 
- Tu de entrar em mim, 
Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste, 
E assim todo me dei:

Sobre o teu longo corpo agonizante, 
Meu inferno celeste, 
Cem vezes morri, prostrado... 
Cem vezes ressuscitei 
Para uma dor mais vibrante 
E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossas bocas se esmagavam, 
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam 
Às linhas fortes do meu, 
Os nossos olhos muito perto, imensos 
No desespero desse abraço mudo, 
Confessaram-me tudo! 
...Enquanto nós pairávamos, suspensos 
Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram, 
Como os corpos se tinham entregado. 
Assim duas metades se amoldaram 
Ante as barbas, que tremeram, 
Do velho Pai desprezado!

E assim Adão e Eva se conheceram:

Tu conheceste a força dos meus pulsos, 
A miséria do meu ser, 
Os recantos da minha humanidade, 
A grandeza do meu amor cruel, 
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...

Eu os teus nervos convulsos, 
O teu poder, 
A tua fragilidade, 
Os sinais da tua pele, 
O gosto do teu sangue doce...

Depois...

Depois o quê, amor? Depois, mais nada, 
— Que Jeová não sabe perdoar!

O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...

Continuámos a ser dois, 
E nunca nos pudemos penetrar!

José Régio

In Poemas de Deus e do Diabo


Gustav Klimt: Adão e Eva

Quando?

Quem, quando, como se abrirão as portas da verdadeira democracia e liberdade neste nosso país?
Quando se irão embora os que nos espezinham, despojam dos nossos direitos e esperança, e aviltam a nossa Constituição?

Quando será que que a coragem, de outros tempos, se impõe?


Foto: Photo by Robin Hod

Poema de Amor para Uso Tópico


Quero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa.

Nuno Júdice

Gustav Klimt

Pedro, lembrando Inês

Em que pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.

Nuno Júdice


Gustav Klimt

Viagem

Se eu voltasse a nascer, e
as minhas mãos me ensinassem o caminho
que vai do coração ao mundo, e
os meus olhos me abrissem o círculo
que o mar desenha no horizonte,
e o meu nariz respirasse a luz que a manhã
solta de dentro da névoa, e os meus lábios
pedissem o pão de estrelas que as aves
trocam entre si, e os meus passos me conduzissem
para onde ninguém precisa de voltar,
o tecido da minha vida seria transparente
como o vidro da janela que não abro,
o fio que vou puxando seria eterno
como os números que contam os dias de um deus,
a tesoura da noite ficaria na caixa
que não precisei de abrir. Se eu voltasse
a nascer, e as velas do sonho me envolvessem
com o linho do seu vento.

Nuno Júdice



Depoimento

Coimbra, 15 de Fevereiro de 1981.

De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não. Nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.

A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia.
Apesar de saber
Que quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.


Miguel Torga

In Diário XII
I




(Photo by Youssef Al Hameed)

Tantas vezes para mim "A honra era lutar / Sem esperança de vencer", que este poema bate bem fundo no meu ser.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Portugueses, deixem de comer!

Portugueses teriam de trabalhar um ano sem comer para pagarem a dívida. Quem o diz é o ministro da educação Nuno Crato, que apela à imaginação famélica de muitos.


Esta afirmação, ainda que hipotética e retórica, é completa e radicalmente imoral, num país com uma milhão de desempregados, em que um quinto dos portugueses vive abaixo do limiar da pobreza, e onde mais de metade das famílias vive com menos de 900 euros por mês.

O ministro não sabe o que significa viver num país em que mais de 20 por cento dos portugueses está abaixo do limiar de pobreza, que é o nível de rendimentos abaixo do qual uma família é incapaz de satisfazer as necessidades dos seus membros?
O ministro é cego, surdo e mudo? Absolutamente não.
O ministro, o Primeiro-Ministro e Cavaco Silva vivem comodamente em salões calafetados e ultra insonorizados, para não ouvirem os protestos do povo que simulam governar e comem à mesa da troika, cujo Chefe, o alemão Jürgen Kröger (o grande defensor do aumento da idade da reforma para Portugal) se reformou agora, aos 61anos, com direito a 60% do valor do último salário – que se calcula entre 7.900 e 10.151 euros por mês, e voltou imediatamente a ser contratado.  Nada que por cá não se faça há muito tempo.

Afirmações como esta de Nuno Crato, proferida com um ar muito executivo e salvífico, como quem diz: vêem do que nós vos estamos a salvar (?) estão ao nível da barbárie e da mais elementar falta de decoro.
Experimente o Sr. ministro da república ficar a pão e água durante uns tempos. Que melhor forma de dieta poderia desejar?

Nós por cá vamos andando. De mal a pior, com um ressentimento crescente contra este Governo e o Presidente, deprimidos e mal pagos.


Foto de Nuno Ferreira Santos



segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O soldado e a pomba

O símbolo da paz em cenário de guerra...
Não passa disso mesmo, um símbolo fátuo. 
E, no entanto, é o bastante para suscitar um gesto de ternura num soldado, que, no meio de tudo, é um simples peão. 
Não foi ele que declarou a guerra, mas é ele que vai para a frente. 
Talvez para já não voltar.
Pobre condição humana!



Foto de Pedro Luis Raota

A menina e as ondas.

Em 1954 o fotógrafo encontrou esta linda criança na Nazaré, com um coelhinho no colo e não hesitou. Era o quadro perfeito, romântico, ideal para uma bonita fotografia. Para um postal, até.


Foto: Jean Dieuzaide. La petite fille au lapin. Nazaré, Portugal, 1954

Agora, na Nazaré um corropio de gente aparece para ver as ondas assustadoras que desde sempre lá estiveram.
Bastou o americano Garret McNamara, com 47 anos,  campeão do mundo,  vir encontrar uma onda enorme de 24 metros, que conseguiu surfar, em 2012, e o fez entrar no Guinness Book, para ali aportarem, de todo o mundo surfistas que querem ver o "canhão da Nazaré" e surfar as suas terríveis ondas. 
Como disse um pragmático pescador, que concertava a sua rede e que sempre pescou naquele mar, onde tantas vezes arriscou a vida para conseguir alimentar a família: 
- como na Nazaré não há muito para ver, tiram fotografias às ondas...



Fotos: autor desconhecido

Rios no olhar

Rios serenos encontram-se neste olhar.
Traços de bondade abrem-se no sorriso  inocente.
Todo o rosto nos acolhe e convida à pureza e ao encantamento da meninice.



Foto: Gia Lai, vietnam © Hao Dinh

Nada é em vão.

As brincadeiras e os risos inocentes da infância ficam guardados nos nossos corações.
Os anos passam e, mais tarde, a simples lembrança dessas gargalhadas pode pintar de sol os momentos sombrios das nossas vidas.
Nada é em vão



Foto: Gia Lai, vietnam © Hao Dinh

domingo, 3 de novembro de 2013

Porquê?

Por que é que tantos têm de sofrer à custa de tão poucos? 
Há tantos séculos.
Por que é que uma mãe e um filho pobres não têm o mesmo direito à vida, aos cuidados de saúde, à educação e à prosperidade que uma mãe e um filho ricos?

Ou melhor, por que é que tantos são tão pobres para apenas aluns poucos serem tão ricos?
Por que é que tantas revoluções se fizeram, tantas teorias se apregoaram, tantas religiões pregaram o bem e, no entanto, o mundo continua palco de guerras, de injustiças, de fome, de miséria e de demagogos em abundância?

O homem é um ser assim tão fraco e impotente?
O mal é assim tão banal e o bem tão casuístico?
Que carga insuportável é esta que carregamos há tanto tempo?
Tempo demais.
Que salvação temos?
O que é que nos redime de deixarmos o mundo pior do que o encontrámos?
Que miserável condição é esta de tão pouco saber e de nada conseguir melhorar?



Fotografia de Pedro Luis Raota

Mia Couto de parabéns.

Mia Couto já merecia toda a nossa admiração e respeito. Agora, muito mais. Recebeu o Prémio Camões 2013, o mais importante prémio literário da língua portuguesa, tendo sido escolhido unanimemente pelo júri, composto por seis críticos e,  na 6.ª feira, 1 de Novembro, o prémio internacional de literatura Neustadt, atribuído de dois em dois anos pela Universidade de Oklahoma, e conhecido como o Nobel americano. Trata-se de um prémio que já contemplou, antes, escritores como Gabriel García Márquez, Elizabeth Bishop e João Cabral de Melo Neto.
Mia Couto,  pseudónimo de António Emílio Leite Couto, de 58 anos, já tinha, antes, recebido o Prémio  da União Latina de Literaturas Românicas e o Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995. O seu romance “Terra Sonâmbula” foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX. 
O escritor é biólogo e dirige uma empresa de estudos de impacto ambiental em Moçambique.

Quero, em sua homenagem, publicar aqui, um excerto de um livro de Mia Couto, mas, a dificuldade é maior que a empresa. Tudo o que ele escreve é um deslumbramento de existir, um amor à terra, uma pura e feliz reinvenção da língua portuguesa. A felicidade, a alegria pura que. por vezes, transparecem dos seus livros, é o mesmo que eu sinto agora. Por ele. 


MIA COUTO. CADA HOMEM É UMA RAÇA.

"Naquela noite, as horas me percorriam, insones ponteiros. Eu queria só me esquecer-me. Assim deitado, não sofria outra carência que não fosse, talvez, a morte. (…)
Nesse enquanto, ela entrou. Era uma mulher de olhos lisos que humedeciam o quarto. Vagueou por alio, parecia não acreditar na sua própria presença. Seus dedos passeavam pelos móveis, em distraído afecto. Quem sabe ela sonambulasse, aquela realidade lhe fosse muito fictícia)? Eu queria avisar-lhe que estava enganada que aquele não era seu competente endereço. Mas o silêncio me alertou que ali estava a decorrer um destino, o cruzar das fatais providências. Então, ela se sentou na minha cama, ajeitou seu delicado lugar. Sem me olhar, começou de chorar.
Nem me guiei: já as minhas carícias se desenrolavam em seu colo. Ela se deitou, imitando a terra em estado de gestação. Seu corpo se me entreabria. Mais fôssemos, no seguinte, e chegaríamos a vias do facto. Mas, nos avanços, me tremurei. Vozes ocultas me seguravam: não, eu não podia ceder.
Mas a estranha me atentava, descendo do seu decote. Seu peito me espreitava, subornando meus intentos. As lendas antigas me avisavam: virá uma que acenderá a lua. Se resistires, merecerás o nome da gente guerreira, o povo de quem descendes. Nem eu bem decifrava a lendável mensagem. Certo era que ali, naquele quarto, se executava a prova de mim, o quanto me valiam meus mandos” (…)

Mia Couto, Mulher de Mim, in Cada Homem é uma Raça, Caminho.1990