Fernando Pessoa escreveu a 4 de Dezembro de 1929 uma carta à
Editora “The Mandrake Press”, com o pagamento de anteriores encomendas de livros
de Crawley e solicitando que comunicassem ao Mago, que o seu horóscopo não
estava correto e apresentando as razões. Aleister Crawley escreve, em reposta a
Pessoa, confirmando que o escritor e astrólogo português tem razão. Começou,
então uma interessante troca de correspondência, em que se tratavam por “Caro
Frater” ou Caro Irmão”. O Mago inglês datava as cartas com símbolos astrológicos, terminava com o seguinte parágrafo: “O amor é a Lei, ama
segundo a vontade.” e assinava, de formas diferentes, uma das quais era, “Fraternalmente
seu, 666”
A rede que Fernando Pessoa lançou surtiu os seus efeitos e
Aleister Crawley, acompanhado da amante Hanni, chegaram a Lisboa, no paquete “Alcântara”,
em 2 de Setembro de 1930 (3.ª feira). Fernando Pessoa foi esperá-los no cais. A
história que se seguiu foi realmente recheada de episódios rocambolescos, aos
quais Fernando Pessoa emprestou todo o seu pendor ocultista, policial e dramático.
A lápide a assinalar o pretenso suicídio de Aleister Crawley
foi ali mandada colocar, em Maio de 2000, pelo então Vereador da Cultura, Relações
Internacionais e Recursos Humanos, da Câmara Municipal de Cascais, José Jorge
Letria, (com quem tive a honra de trabalhar, na qualidade de sua Adjunta), no
encerramento de um Colóquio Internacional, dedicado a este tema, que contou com
as presenças do Professor José Manuel Anes, Professora Yvette Centeno e Pier-Luigi
Zocatelli, Massimo Itrovigne e Gordon
Melton, entre outros ilustres investigadores de Pessoa, Crawley e o esoterismo.
mts
Do Diário de Notícias, de 16 de agosto se 2014, segue-se a notícia de :
Nota minha: a ordem das fotografias foi alterada para conveniência do Blog.
Do Diário de Notícias, de 16 de agosto se 2014, segue-se a notícia de :
Uma inventona
com a cumplicidade de Pessoa
O
DIA EM QUE O DN CONTOU: A 25 de novembro de 1930, o jornalista do DN Augusto
Ferreira Gomes encontrou, no lugar chamado Mata Cães, uma carta e uma
cigarreira. Ou diz que encontrou. E assim começa uma reportagem que, apesar de
muito imaginativa, para não dizer falsa, está hoje perpetuada em mármore na
Boca do Inferno, em Cascais. Com os nomes dos cúmplices: o jornalista, o DN e a
sua revista O Notícias Ilustrado, o célebre mago Aleister Crowley e o poeta
Fernando Pessoa.
Pintor, poeta e astrólogo, Aleister Crowley já era célebre há décadas quando chegou a Lisboa em 1930. Com Pessoa, simulou o seu suicídio na Boca do Inferno, em Cascais. Aqui na capa do Notícias “Ilustrado”, revista fundada em 1930 que dava espaço à fotografia, em tons sépia
O
bebé Neil Armstrong fazia dois meses a 5 de outubro de 1930 mas disso,
evidentemente, o Diário de Notícias não se ocupou – a ida à Lua ainda era
demasiado inverosímil. Na verdade, naquele domingo, o DN ia mais longe através
dos acontecimentos ocorridos em Portugal com o mais famoso especialista dos
mistérios do Universo. A sua revista de fim de semana – O Notícias Ilustrado,
“a melhor revista gráfica portuguesa, a única feita em rotogravura”, como
anunciara a edição do jornal na véspera – trazia na capa este título: “O
Mistério da Boca do Inferno”. E prometia: “Neste número, sensacional reportagem
de Augusto Ferreira Gomes sobre o desaparecimento do escritor Aleister
Crowley”. A foto do desaparecido escritor, com a cabeça envolta num turbante,
enchia toda a primeira página. Capa sensacional, sim, massem pingo de
sensacionalismo, sobretudo olhada pelos dias de hoje: a história envolvia
alguém que iria ser um dos símbolos de Portugal e, esse, não era referido no
título. Mas, por 30 centavos, o leitor tinha lá dentro o testemunho de Fernando
Pessoa! O mais extraordinário português do século e um dos maiores poetas de
sempre (embora poucos ainda o soubessem) falava em exclusivo para a revista do
DN sobre a sua participação nesse assombroso assunto.
Augusto
Ferreira Gomes, o autor da reportagem, é amigo de Fernando Pessoa e até seu
sócio numa firma de comissões. Também frequentador do Martinho da Arcada, há
foto de ambos no café do Terreiro do Paço e descendo uma rua da Baixa.
O
desaparecido referido na capa, Aleister Crowley (1875-1947) era uma
personalidade mundial. Já em 1908, Somerset Maugham escolhera Crowley como
modelo da sua personagem central no romance O Mágico. E, no seu livro de
memórias Paris é uma Festa, Ernest Hemingway punha Crowley convivendo com
Fitzgerald, Joyce, Ezra Pound e Picasso na capital da Europa nos anos 20…
Naquele Outono de 1930, quando ele aparece e desaparece em Portugal, aos 55
anos, Crowley já era há décadas tratado nos títulos dos jornais da Europa e
América como “o homem mais perverso do Mundo.” Propagandista do esoterismo e
adepto do diabo, ele foi o divulgador moderno de Pazuzu, o demónio assírio que
seria personagem do filme O Exorcista. Aleister Crowley iria prolongar a sua influência
até ao rock demoníaco de Marilyn Manson e Ozzy Osbourne. Em 2002, um
inquérito da BBC considerou Aleister Crowley um dos 100 maiores britânicos de
sempre… Quanto a Augusto Ferreira Gomes (1892-1953) era um homem da casa,
jornalista do DN. Adepto das teorias esotéricas e messiânicas, quatro anos
depois desta reportagem o seu nome assina o livro “Quinto Império” – o prefácio
é de Fernando Pesssoa, que no mesmo ano e na mesma editora (A.M. Pereira)
publica Mensagem.
Em
papel do Hotel de L’ Europe
(hoje, é o hotel do Chiado), escrito pelo seu punho e com sinais cabalísticos,
Crowley deixou uma carta: “Não posso viver sem ti”, enviada à sua amante, a
jovem Hanni
Os
factos, contados pelo jornalista do DN. A 25 de setembro, estava Augusto
Ferreira Gomes “na Boca do Inferno, junto à abertura conhecida pelo nome de
Mata Cães” quando encontrou uma carta e uma cigarreira. Não ligou muito, até
porque sabia pouco do inglês em que a carta era escrita. Mas pelo papel da
carta, que era endereçada a uma tal “Hanni L. Jaeger”, ele chegou ao Hotel de
l’Europe – no mesmo edifício dos Grandes Armazéns do Chiado (hoje, é o Hotel do
Chiado). E soube, pelo porteiro, que Hanni já se tinha ido embora e que
estivera lá acompanhada por um tal “Edward A. Crowley”. Deu um sobressalto ao
jornalista: querem ver que é o célebre mago! E como entretanto conseguira
traduzir parte do bilhete – “não posso viver sem ti” -, o que ligado ao local
perigoso onde se encontrara a carta, a Boca do Inferno, levou-o a prevenir a
polícia. Ora Alexandrino de Albuquerque, diretor da Polícia de Investigação Criminal, sossega-o,
dizendo-lhe que não só Crowley como Hanni – o inglês, pelo Sud Expresso
(atravessou a fronteira de Vilar Formoso, a 23), a alemã, no vapor Werra, a 20
– tinham já abandonado Portugal, antes da carta aparecer. É então, estavam o
jornalista e o polícia a falar, que, ó coincidência!, aparece Fernando Pessoa.
A
lápide de mármore na Boca do Inferno.
Na conhecida escarpa sobre o oceano, em Cascais, uma pedra comemora os factos
narrados nesta reportagem e nomeia a revista do DN, O Notícias Ilustrado
“Diga-se
de passagem, uma das mais interessantes se não a mais interessante e superior
mentalidade da minha geração”, diz do poeta, o jornalista. Pessoa confirma que
a cigarreira e a letra da carta eram bem de Crowley. Por identidade de
interesses astrológicos ambos já se correspondiam antes da visita do inglês. E
a 2 de setembro, conta Pessoa, foi ao cais receber o amigo, que desembarcou com
uma jovem e loira alemã. Encontrou-se com ele duas vezes, a última, “às 10H30
da manhã do dia 23, à porta do Café Arcada, no Terreiro do Paço e nunca mais
falei com ele.” Mas, acrescentou viu-o. Ou, melhor, avistou-o. No dia 24, vinha
Pessoa no elétrico da Estrela, “vi Crowley, ou o seu fantasma, na esquina do
Café La Gare”, diz. No mesmo dia, “vi Crowley, ou o seu fantasma, entrar, com
outro indivíduo, para a Tabacaria Ingleza”, diz também. Depoimentos que
desmentem o atravessar da fronteira em Vilar Formoso a 23. Outro mistério: a
carta encontrada na Boca do Inferno, esta datada “Sol em Balança”, em sinais
dos astros, isto é, “depois das 18 horas e 36 minutos do dia 23 de setembro”, o
que coloca Crowley em Lisboa a horas em que devia estar a sair do país. Ora,
garante Pessoa, nenhum astrólogo como Crowley mentiria com sinais astrais.
Pintor,
poeta e astrólogo, Aleister Crowley já era célebre há décadas quando chegou a
Lisboa em 1930. Com Pessoa, simulou o seu suicídio na Boca do Inferno
A
reportagem do DN teve repercussões naturais no estrangeiro e até a Scotland
Yard abriu inquérito. Mas Crowley aparece em Berlim, semanas depois na
exposição de quadros seus. Fernando Pessoa diz em carta àquele que será seu
biógrafo, João Gaspar Simões: “O Crowley, que depois de se suicidar passou a
residir na Alemanha, escreveu-me há dias…” E o poeta aproveita para publicar na
revista Presença a sua tradução do poema de Aleister Crowley Hino a Pã…. Fonte: Diário de Notícias
FERREIRA
FERNANDES