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sábado, 16 de agosto de 2014

Aleister Crawley na Boca do Inferno

Fernando Pessoa escreveu a 4 de Dezembro de 1929 uma carta à Editora “The Mandrake Press”, com o pagamento de anteriores encomendas de livros de Crawley e solicitando que comunicassem ao Mago, que o seu horóscopo não estava correto e apresentando as razões. Aleister Crawley escreve, em reposta a Pessoa, confirmando que o escritor e astrólogo português tem razão. Começou, então uma interessante troca de correspondência, em que se tratavam por “Caro Frater” ou Caro Irmão”. O Mago inglês datava as cartas  com símbolos astrológicos,  terminava  com o seguinte parágrafo: “O amor é a Lei, ama segundo a vontade.” e assinava, de formas diferentes, uma das quais era, “Fraternalmente seu, 666”

A rede que Fernando Pessoa lançou surtiu os seus efeitos e Aleister Crawley, acompanhado da amante Hanni, chegaram a Lisboa, no paquete “Alcântara”, em 2 de Setembro de 1930 (3.ª feira). Fernando Pessoa foi esperá-los no cais. A história que se seguiu foi realmente recheada de episódios rocambolescos, aos quais Fernando Pessoa emprestou todo o seu pendor ocultista, policial e dramático.

A lápide a assinalar o pretenso suicídio de Aleister Crawley foi ali mandada colocar, em Maio de 2000, pelo então Vereador da Cultura, Relações Internacionais e Recursos Humanos, da Câmara Municipal de Cascais, José Jorge Letria, (com quem tive a honra de trabalhar, na qualidade de sua Adjunta), no encerramento de um Colóquio Internacional, dedicado a este tema, que contou com as presenças do Professor José Manuel Anes, Professora Yvette Centeno e Pier-Luigi Zocatelli,  Massimo Itrovigne e Gordon Melton,  entre outros ilustres investigadores de Pessoa, Crawley e o esoterismo.

mts


Do Diário de Notícias, de 16 de agosto se 2014, segue-se a notícia de :


Uma inventona com a cumplicidade de Pessoa



O DIA EM QUE O DN CONTOU: A 25 de novembro de 1930, o jornalista do DN Augusto Ferreira Gomes encontrou, no lugar chamado Mata Cães, uma carta e uma cigarreira. Ou diz que encontrou. E assim começa uma reportagem que, apesar de muito imaginativa, para não dizer falsa, está hoje perpetuada em mármore na Boca do Inferno, em Cascais. Com os nomes dos cúmplices: o jornalista, o DN e a sua revista O Notícias Ilustrado, o célebre mago Aleister Crowley e o poeta Fernando Pessoa.

 Pintor, poeta e astrólogo, Aleister Crowley já era célebre há décadas quando chegou a Lisboa em 1930. Com Pessoa, simulou o seu suicídio na Boca do Inferno, em Cascais. Aqui na capa do Notícias “Ilustrado”, revista fundada em 1930 que dava espaço à fotografia, em tons sépia

O bebé Neil Armstrong fazia dois meses a 5 de outubro de 1930 mas disso, evidentemente, o Diário de Notícias não se ocupou – a ida à Lua ainda era demasiado inverosímil. Na verdade, naquele domingo, o DN ia mais longe através dos acontecimentos ocorridos em Portugal com o mais famoso especialista dos mistérios do Universo. A sua revista de fim de semana – O Notícias Ilustrado, “a melhor revista gráfica portuguesa, a única feita em rotogravura”, como anunciara a edição do jornal na véspera – trazia na capa este título: “O Mistério da Boca do Inferno”. E prometia: “Neste número, sensacional reportagem de Augusto Ferreira Gomes sobre o desaparecimento do escritor Aleister Crowley”. A foto do desaparecido escritor, com a cabeça envolta num turbante, enchia toda a primeira página. Capa sensacional, sim, massem pingo de sensacionalismo, sobretudo olhada pelos dias de hoje: a história envolvia alguém que iria ser um dos símbolos de Portugal e, esse, não era referido no título. Mas, por 30 centavos, o leitor tinha lá dentro o testemunho de Fernando Pessoa! O mais extraordinário português do século e um dos maiores poetas de sempre (embora poucos ainda o soubessem) falava em exclusivo para a revista do DN sobre a sua participação nesse assombroso assunto.




Augusto Ferreira Gomes, o autor da reportagem, é amigo de Fernando Pessoa e até seu sócio numa firma de comissões. Também frequentador do Martinho da Arcada, há foto de ambos no café do Terreiro do Paço e descendo uma rua da Baixa.
O desaparecido referido na capa, Aleister Crowley (1875-1947) era uma personalidade mundial. Já em 1908, Somerset Maugham escolhera Crowley como modelo da sua personagem central no romance O Mágico. E, no seu livro de memórias Paris é uma Festa, Ernest Hemingway punha Crowley convivendo com Fitzgerald, Joyce, Ezra Pound e Picasso na capital da Europa nos anos 20… Naquele Outono de 1930, quando ele aparece e desaparece em Portugal, aos 55 anos, Crowley já era há décadas tratado nos títulos dos jornais da Europa e América como “o homem mais perverso do Mundo.” Propagandista do esoterismo e adepto do diabo, ele foi o divulgador moderno de Pazuzu, o demónio assírio que seria personagem do filme O Exorcista. Aleister Crowley iria prolongar a sua influência até ao rock demoníaco de Marilyn Manson e Ozzy Osbourne. Em 2002, um inquérito da BBC considerou Aleister Crowley um dos 100 maiores britânicos de sempre… Quanto a Augusto Ferreira Gomes (1892-1953) era um homem da casa, jornalista do DN. Adepto das teorias esotéricas e messiânicas, quatro anos depois desta reportagem o seu nome assina o livro “Quinto Império” – o prefácio é de Fernando Pesssoa, que no mesmo ano e na mesma editora (A.M. Pereira) publica Mensagem.

Em papel do Hotel de L’ Europe (hoje, é o hotel do Chiado), escrito pelo seu punho e com sinais cabalísticos, Crowley deixou uma carta: “Não posso viver sem ti”, enviada à sua amante, a jovem Hanni

Os factos, contados pelo jornalista do DN. A 25 de setembro, estava Augusto Ferreira Gomes “na Boca do Inferno, junto à abertura conhecida pelo nome de Mata Cães” quando encontrou uma carta e uma cigarreira. Não ligou muito, até porque sabia pouco do inglês em que a carta era escrita. Mas pelo papel da carta, que era endereçada a uma tal “Hanni L. Jaeger”, ele chegou ao Hotel de l’Europe – no mesmo edifício dos Grandes Armazéns do Chiado (hoje, é o Hotel do Chiado). E soube, pelo porteiro, que Hanni já se tinha ido embora e que estivera lá acompanhada por um tal “Edward A. Crowley”. Deu um sobressalto ao jornalista: querem ver que é o célebre mago! E como entretanto conseguira traduzir parte do bilhete – “não posso viver sem ti” -, o que ligado ao local perigoso onde se encontrara a carta, a Boca do Inferno, levou-o a prevenir a polícia. Ora Alexandrino de Albuquerque, diretor da Polícia de Investigação Criminal, sossega-o, dizendo-lhe que não só Crowley como Hanni – o inglês, pelo Sud Expresso (atravessou a fronteira de Vilar Formoso, a 23), a alemã, no vapor Werra, a 20 – tinham já abandonado Portugal, antes da carta aparecer. É então, estavam o jornalista e o polícia a falar, que, ó coincidência!, aparece Fernando Pessoa.



A lápide de mármore na Boca do Inferno.
Na conhecida escarpa sobre o oceano, em Cascais, uma pedra comemora os factos narrados nesta reportagem e nomeia a revista do DN, O Notícias Ilustrado


“Diga-se de passagem, uma das mais interessantes se não a mais interessante e superior mentalidade da minha geração”, diz do poeta, o jornalista. Pessoa confirma que a cigarreira e a letra da carta eram bem de Crowley. Por identidade de interesses astrológicos ambos já se correspondiam antes da visita do inglês. E a 2 de setembro, conta Pessoa, foi ao cais receber o amigo, que desembarcou com uma jovem e loira alemã. Encontrou-se com ele duas vezes, a última, “às 10H30 da manhã do dia 23, à porta do Café Arcada, no Terreiro do Paço e nunca mais falei com ele.” Mas, acrescentou viu-o. Ou, melhor, avistou-o. No dia 24, vinha Pessoa no elétrico da Estrela, “vi Crowley, ou o seu fantasma, na esquina do Café La Gare”, diz. No mesmo dia, “vi Crowley, ou o seu fantasma, entrar, com outro indivíduo, para a Tabacaria Ingleza”, diz também. Depoimentos que desmentem o atravessar da fronteira em Vilar Formoso a 23. Outro mistério: a carta encontrada na Boca do Inferno, esta datada “Sol em Balança”, em sinais dos astros, isto é, “depois das 18 horas e 36 minutos do dia 23 de setembro”, o que coloca Crowley em Lisboa a horas em que devia estar a sair do país. Ora, garante Pessoa, nenhum astrólogo como Crowley mentiria com sinais astrais.

Pintor, poeta e astrólogo, Aleister Crowley já era célebre há décadas quando chegou a Lisboa em 1930. Com Pessoa, simulou o seu suicídio na Boca do Inferno

A reportagem do DN teve repercussões naturais no estrangeiro e até a Scotland Yard abriu inquérito. Mas Crowley aparece em Berlim, semanas depois na exposição de quadros seus. Fernando Pessoa diz em carta àquele que será seu biógrafo, João Gaspar Simões: “O Crowley, que depois de se suicidar passou a residir na Alemanha, escreveu-me há dias…” E o poeta aproveita para publicar na revista Presença a sua tradução do poema de Aleister Crowley Hino a Pã…. Fonte: Diário de Notícias

FERREIRA FERNANDES 


 Nota minha: a ordem das fotografias foi alterada para conveniência do Blog.

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