Dizer o oposto do que se pensa e, contudo, obter a adesão crítica do leitor à sua verdadeira linha de pensamento, é uma arte que muito raros conseguem.
Por isso, não resisto a publicar, hoje mesmo, este poema de Fernando Pessoa, que adorava provocar e cultivava, com gosto especial, os paradoxos.
LIBERDADE
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa.
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
16 - 3 - 1935
Fernando Pessoa
Foto: © Carla Mascaro
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