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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Nova Teoria do Mal

A “Nova Teoria do Mal”, de Miguel Real, é uma obra de filosofia, polémica, provocadora, escrita em estado de acrisolada revolta. O seu impacto sobre o leitor pode ter repercussões inesperadas…

“Tão grande é a revolta pelo estado ético de Portugal que, após a escrita deste livro, decidi – para poder escrever e ser feliz – não me preocupar mais com tudo o que acontece no seu interior: a minha Pátria é Sintra, e nada mais […] Do resto, território da malícia, dominado por um Estado maquiavélico, nada me interessa.”

No decurso da leitura de algumas premissas mais radicais desta teoria, é fundamental lembrarmo-nos da motivação do autor, expressa no prefácio, ao constatar que “Portugal é hoje um país sonâmbulo: 600.000 desempregados, 2 milhões de pobres, outros tantos em risco de o ficarem se os apoios do Estado se esvaírem; 4 milhões de analfabetos funcionais: […]. Da observação permanente deste estado inapelável de coisas não é improvável partir para uma teoria assente nos seguintes princípios:

  •       Deus, com as qualidades divinas que lhe são atribuídas pelo cristianismo, não existe. Não pode ser pensado. É um “flatus vocis”. “A infantilidade e a barbárie do homem da civilização ocidental durará tanto quanto deus for pensado humanamente […]” Pergunta-se: haverá outra maneira de o pensar?
  •       Mas, afinal, Miguel Real também propõe categorias para a caracterização de deus – optando pelo deus budista – a “vacuidade, fonte de todas as manifestações” e o mistério.
  •       O homem é “um nada”, “um mero ser entre os seres”. “Não existe causa necessária nem fim último para a sua existência”. É um ser maligno. “O mal é constitutivo e primordial no coração humano.”.
  •      O mal “é universal e absoluto” e “não pode ser eliminado”, é “o que de mais extenso existe na natureza”, é “essencial”.
  •        O mal “é o positivo, permanente e universal”. Nada lhe antecede na ordem do tempo, nada lhe é anterior”.
  •       Máxima da teoria do mal: “deve-se, não fazer o bem, mas evitar, prevenir ou minimizar o mal”. “Os campos de concentração e o extermínio em massa de grupos sociais, étnicos ou rácicos não são acidentais no homem, fazem parte do seu campo de possibilidades, activando os desejos de posse e de domínio”. 
  •      Miguel Real começa por seguir Kant, para depois apoiar a teoria da banalização do mal, de Hannah Arendt. “Hitler está dentro de nós, e Madre Teresa de Calcutá também”, diz-nos, e nós, que seguimos atentamente os  princípios da sua teoria, concluímos perigosamente que, segundo o filósofo,  Hitler sairá sempre vencedor…
  •      O bem é acidental e reflete tão só “equilíbrios estáveis no seio de uma ininterrupta instabilidade”. O bem é “uma ilha na periferia do mal, figurado como um oceano”, de tal maneira que constitui um mistério o facto de haver equilíbrios. 
  •      O dever social é “determinante e dominante” face ao dever moral. Os códigos jurídicos prevalecem sobre os códigos morais.
  •      Na política, “não fazer o bem, mas combater o mal – define o melhor regime político”. Simples, não é? Mas terrivelmente limitativo.
Em face de um mundo em que “o mal impera e vence sempre”, em que o bem é acidental, nada mais do que “um equilíbrio provisório”, e em que o homem “é por natureza mau” parece-me que a angústia (seja ela existencialista ou não), e o desespero contaminarão por ventura tanto a nossa ação futura como os princípios milenares do cristianismo o fizeram até hoje. A liberdade não existe sem angústia e esta é universal, para o filósofo. Não existe, portanto, forma de lhe escapar. Quase que diríamos, que estamos condenados a existir.

Miguel Real inverte o sentido e o fundamento das éticas “passadas”. O mal passa a constituir o principio e o motor de tudo. Não o bem. Impulsionado talvez pela revolta, de que já demos notícia, abandona, esperemos que momentaneamente, a sua irrepreensível lógica, para ousar fazer predições ou mesmo profecias, com as que se seguem:
·   "Dentro de dois ou três séculos” a adoração do deus cristão “será reduzida a uma seita europeia, vestida medievalmente” e substituída  pela “adoração das forças da natureza”. Caminhamos assim para o panteísmo e o biocentrismo em que o homem “será respeitado na sua intrinsecidade, se não adorado.”. Aqui, suspendemo-nos. Afinal, o homem, que para os sofistas era a medida de todas as coisas, boas e más, é suscetível de se tornar o seu próprio deus, para Miguel Real.
·        Até agora temos vivido numa fase infantil. Porém, “a humanidade tornar-se-á adulta quando cada homem aprender na escola elementar, com força imperativa de lei, que ele próprio, cada um e todos os homens, se estatuem como o mais brilhante nada […].”Por acaso existem, mas podiam não existir”. Leram bem: “com força imperativa de lei”.
·        Apesar de referir a existência de progresso moral, “descontínuo e intermitente, numa derradeira profecia, Miguel Real prevê que  “Democracia e totalitarismo serão ultrapassados por regimes tecnocráticos, unicitários, tirânicos, de amplo apoio popular, que, com base no desenvolvimento científico, distribuirão a existência pelos existentes, inclusive as plantas e os animais.”

Esta é uma obra que merece ser não apenas lida mas estudada, que abala as nossas estruturas de pensamento e questiona as nossas humanas e limitadas certezas.

Lembrei-me agora desta análise que fiz do livro de Miguel Real, quando saiu, porque fui ver o filme "Hannah Arendt" e já encomendei o seu livro que está a ser impresso para ser publicado em meados de Novembro. Este tema dá muito que pensar e eu vou pensar sobre ele. Depois... escreverei.


Francisco Goya. Os desastres da guerra.

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