Fechem-se todas as portas. A
morte anda na rua.
Crimes de guerra e contra a
humanidade são perpetrados todos os dias, a todas as horas, face ao olhar
atónito e desesperado de milhões de pessoas. De acordo com as últimas
estimativas, que não passam disso, meras estatísticas desumanizadas, 9,3
milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária urgente, na Síria.
Segundo a organização de
direitos humanos Human Rights Watch, (HRW) grupos rebeldes e 'jihadistas' estão
a recrutar menores para combater, com a desculpa de lhes proporcionar uma
educação. Adolescentes até aos 15 anos são enviados para o campo de batalha, enquanto
menores de 14 desenvolvem tarefas de apoio ao combate.
Mais de cem mil de pessoas já
morreram, das quais mais de metade era formada por civis. Cerca de dois milhões
de sírios procuraram refúgio noutros países, maioritariamente no Líbano.
Face a esta desumanização a
pintura de artistas sírios assume maior relevo. Ainda que, naturalmente por
razões securitárias, se assumam como neutrais, as suas pinturas têm o ferrete
da morte e da guerra. Certamente, pode dar-se o caso de nós podermos dar-lhes
significados que eles não lhes atribuíram quando pintaram. É talvez o caso
destas obras de Youssef Akil, nascido em 1953, em Halab, na Síria, que se
formou no Fine Arts College e tem apresentado as suas
obras em inúmeras exposições individuais e coletivas.
Na primeira tela, uma pomba
parece querer escapar de enormes portas trancadas. Tudo parece ensombrado e a
pomba, no cimo, já quase se desvanece.
Nas telas seguintes, uma pomba,
de tom sépia, como um fóssil, aparece presa à pedra, por um único prego, na
asa esquerda. Depois, uma pomba, escura como a morte, é pregada numa cruz. Três
pregos prendem-na pelas asas e pelo corpo. São visíveis manchas vermelhas de
sangue. A cabeça ainda está erguida. Mas na última tela é mesmo a pomba branca
da paz que surge pregada na cruz, como Cristo. A cabeça pende sobre o corpo e o
sangue jorra, espesso. O ato foi consumado.
Sabemos que só na Síria, onde
cerca de 10% da população é cristã, foram mortos mais cristãos em 2013, do que
em todo o mundo em 2012. Fotógrafos da revista Time mostraram imagens do
martírio de cristãos crucificados e decapitados.
Ficamos na dúvida se estas
pombas significam um atentado à paz ou à própria civilização cristã, através da
morte na cruz.
Seja como for, a arte de Youssef
Akil, é de tal maneira forte que nos agride e, como um trovão, nos sacode com
um impacto terrível: o da guerra, da tortura e da morte, que parece não terem
fim na sua Síria natal. E é bom que nos agrida, que faça estremecer as nossas convicções, que tenha o poder de nos questionar.
Fechem-se todas as portas.
A morte anda na rua.
Já não há pombas brancas, apenas corvos.
Já não há pombas brancas, apenas corvos.
mts
Aleppo 2014