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quinta-feira, 26 de junho de 2014

A MORTE ANDA NA RUA

Fechem-se todas as portas. A morte anda na rua.
Crimes de guerra e contra a humanidade são perpetrados todos os dias, a todas as horas, face ao olhar atónito e desesperado de milhões de pessoas. De acordo com as últimas estimativas, que não passam disso, meras estatísticas desumanizadas, 9,3 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária urgente, na Síria.
Segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch, (HRW) grupos rebeldes e 'jihadistas' estão a recrutar menores para combater, com a desculpa de lhes proporcionar uma educação. Adolescentes até aos 15 anos são enviados para o campo de batalha, enquanto menores de 14 desenvolvem tarefas de apoio ao combate.
Mais de cem mil de pessoas já morreram, das quais mais de metade era formada por civis. Cerca de dois milhões de sírios procuraram refúgio noutros países, maioritariamente no Líbano.
Face a esta desumanização a pintura de artistas sírios assume maior relevo. Ainda que, naturalmente por razões securitárias, se assumam como neutrais, as suas pinturas têm o ferrete da morte e da guerra. Certamente, pode dar-se o caso de nós podermos dar-lhes significados que eles não lhes atribuíram quando pintaram. É talvez o caso destas obras de Youssef Akil, nascido em 1953, em Halab, na Síria, que se formou no Fine Arts College e tem apresentado as suas obras em inúmeras exposições individuais e coletivas.
Na primeira tela, uma pomba parece querer escapar de enormes portas trancadas. Tudo parece ensombrado e a pomba, no cimo, já quase se desvanece.
Nas telas seguintes, uma pomba, de tom sépia, como um fóssil, aparece presa à pedra, por um único prego, na asa esquerda. Depois, uma pomba, escura como a morte, é pregada numa cruz. Três pregos prendem-na pelas asas e pelo corpo. São visíveis manchas vermelhas de sangue. A cabeça ainda está erguida. Mas na última tela é mesmo a pomba branca da paz que surge pregada na cruz, como Cristo. A cabeça pende sobre o corpo e o sangue jorra, espesso. O ato foi consumado.
Sabemos que só na Síria, onde cerca de 10% da população é cristã, foram mortos mais cristãos em 2013, do que em todo o mundo em 2012. Fotógrafos da revista Time mostraram imagens do martírio de cristãos crucificados e decapitados.
Ficamos na dúvida se estas pombas significam um atentado à paz ou à própria civilização cristã, através da morte na cruz.
Seja como for, a arte de Youssef Akil, é de tal maneira forte que nos agride e, como um trovão, nos sacode com um impacto terrível: o da guerra, da tortura e da morte, que parece não terem fim na sua Síria natal. E é bom que nos agrida, que faça estremecer as nossas convicções, que tenha o poder de nos questionar.

Fechem-se todas as portas. A morte anda na rua.
Já não há pombas brancas, apenas corvos.

mts






Aleppo 2014

1 comentário:

catarina disse...

Mãe,
Obrigada por lembrares e detalhares o que se está a passar ao nosso lado e não queremos ver. É muito assustador, mesmo. A humanidade posta em causa.
Os quadros são não só impressionantes como dão que pensar.
É preciso travar as mortes.