20
de junho de 2014
Hoje
a minha mãe parecia estar a desvanecer-se. Quase desaparecia debaixo do cobertor,
no cadeirão voltado para a porta, para ver passar as pessoas, que ela diz estar
a analisar. Tão fraquinha. A falar tão baixo. Quase sussurra. Mas acaba por
falar muito. A sua cama tem o número 13. A porta do armário, em frente, tem o
número 13.
-
Estás a ver o 13? É o teu pai. Para onde quer que eu vá, ele segue-me. É para
me proteger. E a ti também, filha.
O
número 13 é o dia de anos, não apenas do meu pai, como também da sua bisneta,
a Adriana.
Quer
dizer muita coisa, cansa-se e pede água. O tema é o meu pai, que me deixou só na
vida, com os meus dois filhos, quando, de súbito, morreu, há quarenta anos, logo após o meu divórcio. Agarra-me o braço e aperta-o. Eu não contava com a “presença” do meu pai e desmancho-me
em pranto, agarrada à minha mãe. Ela bem sabe como ele me fez falta e como
nunca recuperei de dois acontecimentos tão traumáticos, quase em simultâneo. De vez em quando as palavras não chegam. Escapa-me – diz.
Encolhe os ombros, triste, e recomeça novo tema.
Ontem,
fez-me uma revelação que me deixaria atónita, se eu não estivesse já habituada
a esperar tudo.
-
Nunca fui comunista, (isso posso eu testemunhar! Muito pelo contrário.), mas
agora penso que, se viesse o comunismo, o país melhoraria e levantar-se-ia.
Atualmente, viver neste país é uma tortura, acrescenta, e eu apresso-me a
corroborar.
Hoje,
previamente combinado comigo, a minha filha Catarina aparece. De súbito, o sol
irrompeu naquele quarto partilhado com outra senhora. Se a felicidade tivesse
rosto, seria o da minha mãe quando a viu. Abriu os braços para a receber,
enfeitou-se com o seu melhor sorriso, os olhos, ainda antes tão tristes, resplandeceram.
-
Eu tinha dito àquela senhora que tu és linda e a agora estás aqui, diz com
orgulho. Quer dizer muita coisa.
Pede
à neta que me ajude sempre porque – onde quer que eu esteja, vou olhar por
todos vós - acrescenta.
Ali
estamos. Três gerações. Três mulheres, que partilham entre si o gene da
coragem.
Cansada,
a minha mãe diz – agora falem vocês.
A
conversa vira-se para a Adriana, o pequeno furacão, que é a minha neta.
Quando
vem a hora da partida, a minha mãe revela que foi o melhor bocadinho do seu dia,
cansada que está do hospital, das horas que não passam, das melhoras que tardam
em chegar.
Eu
venho para casa com a minha filha. Em silêncio cúmplice. Ambas vimos e sentimos
o mesmo. Não carecemos de palavras.
A
minha mãe está a preparar-se para a sua derradeira hora. Graças a Deus, está em
paz. Eu não.
Ainda tenho esperança, porque tantas vezes esteve a beira de partir e a
sua enorme força interior fê-la recuperar.
Não
estou preparada para que o cordão umbilical se rompa para sempre.
Amanhã, estarei de novo aí para te acarinhar, mãe, e sei que vais estar à minha espera.
mts
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