Sazonais eternidades
Abres-me, janela,
e antigas memórias
me salpicam o rosto,
chuvas ainda por desabar.
Escancaradas portadas,
devolvem-me o corpo,
esse mesmo corpo
que, para febre e desejo,
em outro corpo acendi.
Abres-me, saudade
e o tempo se descalça
para atravessar
incandescentes brasas.
E quando,
de novo me encerras,
volto a dormir
como dormem os rios
em véspera de serem água.
A saudade
é o que ficou
do que nunca fomos.
Que dizer mais de um escritor que já escreve sempre em prosa
poética e, depois, ainda escreve só poesia?
Socorro-me das suas palavras, que exprimem melhor o que
eu penso e não sei dizer.
“O poeta
faz agricultura às avessas:
numa única semente
planta a terra inteira.”
É o que Mia Couto faz intermitentemente. Vive apenas fora
de si, captando sonhos perdidos, gestos apenas esboçados, palavras que só ele
sabe, para nos ensinar-encantar.
“Apenas de outros me faço eu”
Que mais poderei eu dizer que não caiba em plena
redundância?
Gostei muito. Sorvi cada sentimento, cada palavra e de
ele me fiz eu.
mts
Mia Couto. Poesia. Tradutor de Chuvas. Caminho, 2011
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