17 de junho de 2014.
Hoje, tive apenas, como nos dias anteriores,
desde o internamento a 14, dez minutos, para estar com a minha mãe.
Estava só, perdida numa sala
pequena, apenas com a cama-maca, sentada num cadeirão, muito chegadinha a um
canto, como que a proteger-se de todos os estranhos e de quem lhe podia “fazer
mal”. Mais uma vez tinha sido amarrada de noite. Os braços, magros, estão
negros. As pernas estão negras pelo rebentamento das veias. E ninguém lhe põe
pomada nos braços nem creme nas pernas para aliviar a secura da pele, Para quê
preocuparem-se com úlceras venosas se o que a minha mãe tem é pneumonia e Alzheimer...?
Falta carinho. Falta a alguns
profissionais de saúde o sentido de missão, de que estão a tratar seres humanos.
Não lhes passa pela cabeça que, um dia, poderá acontecer-lhes o mesmo a eles.
A minha mãe está para ali…
- Amanhã trago-te o creme e a
pomada e ponho-tos, mãezinha, prometi, embora saiba que não estou autorizada a
deixar lá nada. Terei de levar e de trazer tudo, todos os dias.
A minha mãe, estranhamente,
sabia que dia do mês era hoje, e preocupada com o que teria de pagar por estar
no hospital (público), perguntava-me, ansiosa:
- Quanto tenho de pagar? E tu,
filha, já pagaste alguma coisa?
Sosseguei-a, mas sei que amanhã
e depois, e depois, me fará mesma pergunta, que já ontem fez. É assim, o
Alzheimer.
Subitamente dá um salto no
tempo e preocupa-se com o que já não tem de se preocupar. Não sabe que está no
hospital. Desconhece que tem uma pneumonia.
Está para ali…
Tudo lhe é estranho e penoso.
Acolhe-me com alegria, o que
me emociona.
Cubro-lhe a cara de beijos, os
olhos, o pescoço também. À chegada e à partida.
Murmura: querida filha.
Não é normal este tratamento,
durante uma infinidade de anos asfixiado e, por isso, uma estranha maresia
molha-me os olhos.
Forçam-me a deixá-la. Terminou
o tempo da visita.
Que tempo é este? Nada linear.
Com cortes, regressos constantes ao passado, um presente envenenado e um futuro
que se deixa antecipar terrivelmente triste.
Amanhã voltarei de novo.
A minha mãe está para ali…
mts
11 de Junho de 1980. 59 anos
1 de dezembro de 2013. 92 anos.
3 comentários:
Tão tocante. Beijo grande para esta filha.
Como a madrinha, a avó está, a pouco e pouco, a mudar de papel social...às tantas tratava-te como se tu fosse a mãe dela...o alzheimer vai apagando as memórias, mas também as linhas, as fronteiras, os papéis sociais. É um processo muito triste que retira à identidade própria o que foi construindo ao longo do tempo.:(
Sempre disse de sua mãe que era uma árvore, que está sempre de pé... fiquei triste de saber que está no hospital, Teresinha. beijinho,
Carmo
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